Comentário da Liga para a Protecção da Natureza no âmbito da Consulta Pública ao Estudo de Impacte Ambiental da Central Solar de São Miguel do Pinheiro
Enquadramento
O Projeto para a Central Solar de São Miguel do Pinheiro abrange uma área de implantação aproximada de 703 ha, a ser ocupada por várias infraestruturas integrantes da Central Solar. A área do Projeto localiza-se no concelho de Mértola, na União de Freguesias de São Miguel do Pinheiro, São Pedro de Solis e São Sebastião dos Carros. O Projeto contempla também a construção de uma Linha Elétrica de Muita Alta Tensão (MAT), a 400 kV, com aproximadamente 18,6 km, a implementar num corredor que abrange os concelhos de Mértola (União de Freguesias de São Miguel do Pinheiro, São Pedro de Solis e São Sebastião dos Carros), Alcoutim (Freguesia de Martim Longo) e Tavira (Freguesia de Cachopo).
A proponente do Projeto da Central Solar de São Miguel do Pinheiro é a Fermesolar, Lda.
Apreciação
Como referido no relatório técnico do EIA, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 152-B/2017, de 11 de dezembro, o Projeto não se situa numa Área Classificada. Não obstante, o mesmo relatório refere que de acordo com o “Manual de apoio à análise de projectos relativos à instalação de linhas aéreas de distribuição e transporte de energia eléctrica”, os corredores da linha MAT se sobrepõem marginalmente com uma área muito crítica para as aves estepárias, correspondente à Área Importante para as Aves e Biodiversidade (IBA) de São Pedro de Solis. Esta sobreposição marginal e a sua envolvente abrangem manchas de habitat aberto considerado habitat potencial para a ocorrência de aves estepárias, das quais se destacam a abetarda (Otis tarda) e o sisão (Tetrax tetrax), para as quais a mortalidade por colisão com linhas elétricas é conhecida (LPN, 2013; Marques et al., 2008), inclusive com linhas desta tipologia (Marques et al., 2005), e considerada uma das principais ameaças à conservação destas espécies. Acresce ainda que a mortalidade por colisão com linhas eléctricas aéreas não se limita às áreas de reprodução, uma vez que espécies em causa realizam movimentos para outras áreas (Alonso et al., 2019; Rocha, 2006). Esta informação não deve ser, portanto, desvalorizada uma vez que, neste contexto, será provável que ocorram movimentos destas espécies entre estas áreas, podendo daí resultar mortalidade por colisão com a linha elétrica aérea.
Ainda relativamente à localização dos corredores da linha MAT, é também importante referir que é conhecida a nidificação de águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) a cerca de 7,5 km dos corredores propostos para a linha MAT que, apesar de não constituir uma área muito crítica/crítica de acordo com o “Manual de apoio à análise de projectos relativos à instalação de linhas aéreas de distribuição e transporte de energia eléctrica” (ICNF, 2019), se considera ser uma informação relevante e, por isso, a ser tida em conta. Acresce que os dados de seguimento de indivíduos desta espécie marcados em Portugal, evidenciam movimentos a cruzar o corredor da linha MAT, num polígono (grosseiramente) definido por Penedos e Corredoura, e Castelhanos e Roncão, a sul, e portanto, sugerem a utilização desta área pelo menos por indivíduos juvenis/imaturos (dados não publicados LIFE Imperial/ICNF).
Quanto ao mapeamento das zonas muito críticas para aves Estepárias, Aves de Rapina e Outras Aves a informação data de 2009 e encontra-se desactualizada em relação à actual situação populacional e distribuição das espécies referidas, com ênfase para a águia-imperial-ibérica, abetarda e sisão. Sendo por isso necessária a apresentação de informação actualizada que reflicta a actual situação das espécies referidas.
Tendo em consideração a existência na proximidade de um Parque Eólico deveria ser efetuada uma avaliação dos impactes cumulativos destas duas infraestruturas de produção de energia e respetivas linhas elétricas associadas.
Considerações Finais
A promoção de energias renováveis proposta por projetos fotovoltaicos é de salutar mas, tendo em consideração o elevado número de projetos que estão a ser desenvolvidos sem estarem sustentados num planeamento territorial, é urgente que as entidades governamentais efetuem uma avaliação mais abrangente dos potenciais impactes deste tipo de infraestruturas e definam rapidamente um plano de ordenamento para a instalação desta tipologia de infraestruturas (incluindo os corredores de ligação à rede de transporte e distribuição de energia), tendo como objetivo minimizar os impactes negativos que as mesmas podem gerar em determinadas áreas com maior sensibilidade.
Embora esta Central Fotovoltaica não se localize numa Área Classificada da Rede Natura 2000 nem numa Área Protegida, abrange parcialmente uma área identificada como IBA e a Linha Elétrica de Muito Alta Tensão irá atravessar parte desta IBA.
A Linha Elétrica de Muito Alta Tensão que será construída para o transporte da energia produzida poderá ter impactes significativos nas aves, de onde destacamos as aves Estepárias como a abetarda e o sisão, dado que estas se movimentam entre áreas que serão atravessadas por esta futura Linha Elétrica (nomeadamente a ZPE de Castro Verde, o Parque Natural do Vale do Guadiana e a IBA de S. Pedro de Solis).
Considerando a atual situação de decréscimo que se está a verificar nalgumas aves estepárias, nomeadamente na abetarda e sisão (Silva et al. 2008, Gameiro 2015, Alonso et al. 2019), e no atual contexto de alterações climáticas, é necessário assegurar que as áreas de ocorrência e os corredores entre as áreas de ocorrência destas espécies têm uma boa gestão do habitat.
Assim, dada a sensibilidade da área atravessada as medidas de minimização para a Linha Elétrica deverão incluir no mínimo a sinalização intensiva da linha elétrica com a colocação de dispositivos anti-colisão do tipo Fireflies (BFD’s) Rotativos (que deverão ser substituídos regularmente, se assim for necessário para assegurar a eficácia de sinalização) ou em alternativa o enterramento das linhas elétricas ou o estabelecimento de um traçado que não atravesse áreas com valo ecológico como é o caso da IBA. Deverá também ser assegurada a monitorização de longo prazo das linhas elétricas para avaliar o impacte da nova linha elétrica em termos de mortalidade das aves e também na tendência populacional das espécies, sobretudo nas aves Estepárias, que deverá envolver também a análise de movimento de aves marcadas para melhor compreender os corredores usados pelas aves.
Na área de implantação da Central Solar deverão também ser previstas medidas de fomento de espécies presa de aves de rapina, como o coelho-bravo e a perdiz.
Na opinião da LPN, deveriam ser incluídas medidas de compensação que prevejam a manutenção e aumento de áreas adequadas às aves Estepárias na IBA de S. Pedro de Solis, com o apoio a agricultores que promovam uma agricultura compatível com a conservação destas espécies. Para tal, uma medida de compensação adequada pelos impactes negativos causados por este projeto (considerando também o impacte cumulativo associado ao Parque Eólico já existente) será a classificação da IBA de S. Pedro de Solis como ZPE (Área Classificada da Rede Natura 2000). Assim, este território passaria a ter a proteção legal que é necessária para assegurar a conservação das espécies de aves protegidas e ameaçadas que ocorrem neste território e permitiria a criação de medidas agroambientais para apoiar os agricultores que efetuam práticas agrícolas benéficas para a biodiversidade.
A LPN alerta também o impacte social negativo associado à grande expansão de parques solares no interior, que poderá contribuir para aumentar o despovoamento destas áreas já muito abandonadas. Para tal, é necessário que se criem políticas adequadas que apoiem os agricultores que se mantêm nestas áreas do interior e que praticam uma agricultura promotora de biodiversidade, mas que dificilmente é competitiva face aos valores dos arrendamentos que os parques solares estão a oferecer.
Face ao exposto, a LPN considera que este projeto de Central Solar de São Miguel do Pinheiro deve ter parecer desfavorável. No caso de uma eventual aprovação desta Central Solar é imprescindível assegurar que todas as medidas de minimização e compensação elencadas anteriormente, incluindo a classificação da IBA de S. Pedro de Solis como ZPE, são implementadas.
Referências bibliográficas
5 de fevereiro de 2020
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