Capacitação de explorações agrícolas para a certificação de sustentabilidade

Síntese

As áreas estepárias no Alentejo assumem grande importância na conservação de um conjunto de aves, como a Abetarda, o Sisão e o Peneireiro-das-Torres, a nível nacional e até mesmo mundial. No entanto, a conservação desta avifauna depende em larga escala da implementação de boas práticas de gestão agro-ambiental, associadas à agricultura de cultivo de cereais de sequeiro em rotação com pecuária extensiva, por parte dos agricultores. Por sua vez, a aplicação destas medidas depende da sua viabilidade económica, do reconhecimento social do valor intrínseco destes habitats e do pagamento, pela sociedade, dos serviços ambientais prestados pelos agricultores. 

 

A certificação ambiental e/ou de sustentabilidade das explorações agrícolas da região pode ser um instrumento determinante para o aumento da visibilidade e transmissão de informação aos consumidores, empresas e decisores políticos de modo a fomentar a valorização e o pagamento destes serviços, quer a nível público quer a nível privado. 
Nesta perspectiva, com o projecto “Capacitação de explorações agrícolas para a certificação de sustentabilidade” pretendeu-se analisar e reflectir sobre a aplicabilidade de sistemas de certificação existentes para actividades de gestão ligadas ao espaço rural, como floresta, agricultura, pecuária e seus produtos, à gestão agrícola nas áreas estepárias. Para tal, a partir de uma abordagem participativa e multidisciplinar, que envolveu um conjunto de atores locais, regionais e especialistas, foi possível desenvolver uma metodologia de certificação de boas práticas ao nível da gestão do habitat e biodiversidade estepária, compatível com o desenvolvimento rural sustentável destes territórios de elevado valor natural no Baixo Alentejo.

 

Enquadramento

Em Portugal, as estepes cerealíferas concentram-se no interior alentejano, sendo a região do Baixo Alentejo a que apresenta as áreas de ecossistema estepário mais importantes, sendo de se destacar a região do Campo Branco. Com o mais longo historial de aplicação de medidas agro-ambientais, do país, dirigidas à biodiversidade, esta extensa planície cerealífera corresponde na sua quase totalidade à Zona de Protecção Especial (ZPE) para Aves de Castro Verde, sendo a área de ecossistema estepário mais importante de Portugal e uma das mais significativas da Europa.
A riqueza e especificidade do Campo Branco e da ZPE de Castro Verde, em particular, estão intimamente ligadas com a biodiversidade e a actividade agrícola de sequeiro em extensivo num sistema tradicional de rotações. Contudo, esta é uma região com várias condicionantes que exigem uma gestão agrícola cuidada, difícil e usualmente associada a baixos lucros económicos. Como tal, a possibilidade de novas formas de rentabilização e diversificação da economia rural, em torno de abordagens inovadoras e compatíveis com os valores naturais e socioculturais que estas áreas contêm, é desejável e favorável ao desenvolvimento rural sustentável deste território.

 

A adopção de processos de certificação da gestão agro-ambiental de explorações agrícolas pode ser um importante contributo para aumentar a competitividade do sector e garantir a continuidade da agricultura tradicional de sequeiro no interior alentejano. Acresce a sua valorização pela sociedade, pelos serviços de protecção e manutenção de espécies, com elevado estatuto de conservação, muitas vezes omissos nas políticas de certificação. Contudo, este é ainda um tema muito pouco explorado, principalmente devido à frágil economia associada às culturas de cereais de sequeiro, assim como à fraca adequabilidade das Normas de Certificação existentes. 

Neste contexto, surge o projecto “Capacitação de explorações agrícolas para a certificação de sustentabilidade” com vista a encontrar e testar soluções que potenciem uma gestão responsável e empenhada das áreas estepárias no Baixo Alentejo e o reconhecimento da sociedade dos bens e serviços ambientais prestados por estes agricultores, em particular no que respeita à protecção e conservação das aves estepárias.

 

Objetivos

Em estreita colaboração com um conjunto de partes interessadas e tendo como referência a região do Campo Branco, o projecto pretendeu desenvolver um esquema de certificação adequado aos objectivos de gestão agrícola em áreas estepárias de elevado valor natural no Baixo Alentejo. 

 

Partindo desta abordagem multidisciplinar e orientada para a compatibilização das atividades das explorações agrícolas com a proteção da biodiversidade e do habitat estepário, foram objectivos específicos:

 

  1. Identificar boas práticas agrícolas favoráveis à conservação da biodiversidade e habitat estepário, em particular da ZPE de Castro Verde;
  2. Promover a certificação como ferramenta que fomenta uma gestão responsável das planícies cerealíferas alentejanas; 
  3. Valorizar os agricultores enquanto gestores de um território com Alto Valor de Conservação.

 

Descrição

Partindo de uma abordagem inovadora e orientada para a certificação de boas práticas agrícolas e ambientais ao nível da gestão do habitat e biodiversidade estepária, e com o envolvimento de um conjunto de atores, locais e regionais, e especialistas convidados, o projecto compreendeu as seguintes fases:

 

  1. Identificação e compilação de sistemas de certificação existentes para actividades de gestão ligadas ao espaço rural (floresta, agricultura, pecuária e seus produtos) e análise da sua adequabilidade e potencial de adaptação à realidade das explorações agrícolas das áreas estepárias do Baixo Alentejo;
  2. Identificação e compilação das melhores práticas de gestão agro-ambiental destinadas ao fomento da biodiversidade estepária e análise da sua adequabilidade e potencial de adaptação ao sistema de certificação a propor para as explorações agrícolas das áreas estepárias do Baixo Alentejo;
  3. Identificação das partes interessadas e criação de um grupo de trabalho multidisciplinar, que, através de reuniões técnicas, pudesse dar contributos de forma a se chegar à formulação do sistema de certificação a que o projecto se propunha; 
  4. Realização de Workshops com o grupo de trabalho constituído, com o objectivo de debater e elaborar uma proposta de esquema de certificação e critérios de avaliação a utilizar para sua verificação em campo;
  5. Teste da aplicabilidade do esquema de certificação discutido pelo grupo de trabalho, em 3 explorações agrícolas, na ZPE de Castro Verde, que voluntariamente aceitaram ser visitadas por técnicos do projecto. Esta verificação de campo teve por objectivo aferir dificuldades práticas na aplicação do conjunto de regras e requisitos definidas como base para a certificação das explorações, tendo contribuído para a adequação e a obtenção do esquema de certificação desejado;
  6. Validação do Referencial Técnico do esquema de certificação, pelo grupo de trabalho, o qual reúne o conjunto de princípios e requisitos a serem atendidos pelas explorações com vista ao seu reconhecimento por via da certificação proposta;
  7. Organização de um evento público, o Seminário “Certificação agrícola e conservação da biodiversidade”, a 23 de Abril, no Fórum Municipal de Castro Verde, para disseminação dos resultados obtidos e mostrar a importância e mais-valias da implementação de boas práticas agro-ambientais em explorações agrícolas em áreas estepárias do Baixo Alentejo. 

 

Resultados

A partir de uma abordagem participativa e multidisciplinar, com o envolvimento de um conjunto de partes interessadas, e uma metodologia de pesquisa-acção, com forte carácter participativo e componente de campo, foi possível encontrar soluções consensuais e chegar-se à formulação de um sistema de certificação de propriedades em zonas estepárias. Como documento enquadrador, foi definido um Referencial Técnico o qual reúne o conjunto de princípios e requisitos a serem atendidos pelas explorações com vista ao seu reconhecimento por via da certificação.

 

Este processo envolveu directamente mais de 18 entidades, entre agricultores/proprietários das explorações auditadas, e as partes interessadas, constituintes do grupo de trabalho e discussão. O envolvimento destes diferentes interlocutores, incorporando conhecimento científico, técnico e prático, numa lógica de aprendizagem mútua, foram assim a base e factor essencial para os resultados e alcance do trabalho realizado. 

 

Em suma, este projecto permitiu abordar um esquema de certificação agrícola, enquanto ferramenta compatível com o uso sustentável dos valores naturais e preservação da biodiversidade estepária, e, de acordo com um conjunto de princípios ambientalmente adequados, socialmente benéficos e economicamente viáveis.

 

Como resultados concretos, temos:

 

  • Realização de 5 workshops com o grupo de trabalho. Com forte carácter participativo, estas sessões de trabalho envolveram mais de 15 participantes, entre representantes de organismos públicos, entidades do sector privado, da sociedade civil e de especialistas reconhecidos, quer na área da certificação quer na da conservação da natureza e biodiversidade. Entre as partes interessadas, para além da LPN, contou-se a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo (DRAPAL), o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB), a Associação de Criadores de Ovinos do Sul (ACOS), a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a Agência para o Desenvolvimento Local do Alentejo Sudoeste (ESDIME), assim como agricultores da região do Campo Branco, e especialistas (do Instituto Português da Qualidade - no âmbito do sistema de normalização nacional, Associação Portuguesa de Certificação - no âmbito da certificação agrícola, Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado - no âmbito da certificação florestal, Associação Nacional de Proprietários e Produtores de Caça - no âmbito da certificação cinegética);
  • Realização de 3 auditorias de campo, com elaboração de 3 Relatórios de Auditoria e 3 Planos de Gestão, estes com indicação de acções correctivas em resposta às desconformidades identificadas em campo, para cada uma das explorações visitadas;
  • Elaborado do documento final enquadrador da proposta de certificação discutida e validada em campo: o Referencial Técnico de certificação de propriedades em zonas estepárias;
  • Edição de 1 Folheto de Divulgação (200 exemplares) e do Relatório para Leigos do projecto (1.000 exemplares), também disponíveis no da LPN o que permitirá chegar a curto-médio prazo quer ao público-alvo quer a um público mais vasto;
  • Realização do Seminário “Certificação agrícola e conservação da biodiversidade”, para disseminação dos resultados obtidos. Com o apoio da Câmara Municipal de Castro Verde, este evento teve lugar a 23 de Abril no Fórum Municipal desta vila, tendo contado com 31 participantes, entre agricultores locais, gerentes e técnicos agrícolas, entidades públicas e privadas do sector agrícola e certificação ambiental, e público em geral. Este evento deu ainda a conhecer exemplos específicos de certificações relativamente à boa gestão e conservação dos recursos naturais, através do testemunho de entidades como a Herdade Corte Pão e Água (de Mértola), detentora do selo Wildlife Estates pela excelência da gestão cinegética praticada, a Sociedade Agrícola da Herdade de Carvalhoso, Lda., certificada para modo de produção biológico e com a única fábrica de transformação de cereais biológicos do país, e a Associação de Produtores Florestais de Coruche e concelhos limítrofes, que contou o seu exemplo pioneiro na certificação de grupo de várias explorações com claras vantagens económicas para os associados. Do debate tido, foi visível o interesse e envolvimento dos agricultores da região de Castro Verde nas temáticas da certificação e conservação da biodiversidade, na perspetiva de que a certificação pode representar um potencial importante para a viabilidade das explorações agrícolas extensivos de cultivo de cereais do Baixo Alentejo. A acrescer, foi também perceptível o interesse por parte de entidade certificadoras, existentes na região, para futuras colaborações para a viabilização e a implementação do sistema de certificação a que o projeto chegou.

 

Notícias

Projetos que fomentam boas práticas agro-ambientais iniciam série de workshops

LPN debate certificação para a agricultura

Seminário sobre 'Certificação agrícola e conservação da biodiversidade no Campo Branco'

 

Publicações

Folheto Certificação Agrícola - Um compromisso com a Biodiversidade

Relatório Não Técnico Projeto "Capacitação de Explorações Agrícolas"

 

  • Financiadores:

    PRRN - Programa para a Rede Rural Nacional Governo da Agricultura | Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território União Europeia | Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural

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