A evolução da situação hídrica do país tem vindo sistematicamente a confirmar as previsões anunciadas há quase um século por diversos especialistas. Desde novembro de 2020, data da sua constituição, que a PAS (Plataforma Água Sustentável)1 vem alertando para a falta de resposta institucional atempada ao problema da escassez hídrica, designadamente na região do Algarve, tem mostrado os efeitos negativos de algumas propostas oficiais e apresentado alternativas.
A PAS tem analisado dados e propostas oficiais2, nomeadamente as do PIACC (Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas) e do PREHA (Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve), examinado o estado dos aquíferos, o papel e impacto de novas barragens, a reutilização de águas residuais, a relação entre o consumo/modo de produção/atividade agrícola, os impactos económicos e ambientais da dessalinização, entre outros. E tem proposto e justificado as medidas que considera serem necessárias para dar resposta à escassez hídrica e caminhar no sentido da sustentabilidade dos nossos recursos hídricos.
É com grande apreensão que a PAS vê serem adotadas medidas desajustadas, suportadas por políticas de investimento público e privado, que não se ajustam às orientações e objetivos das políticas ambientais.
Qual é a estratégia oficial?
Qual é a resposta esperada das centrais de dessalinização, às necessidades presentes e futuras? Segundo informação do jornal Público3, a construção duma dessalinizadora custará 45 milhões de euros, numa primeira fase, e não produzirá mais do que 8 milhões de metros cúbicos, ou seja, menos de 10% dos consumos urbanos da região (80,3 milhões). Posteriormente, o Governo veio declarar que vai triplicar essa capacidade o que, no entanto, continua a demonstrar um custo elevado para obter água por esse meio.
Segundo um estudo da Gulbenkian4, a agricultura é o maior consumidor de água no país e no Algarve. Segundo dados do PREHA, o sector da agricultura gasta anualmente ca. 135 milhões de metros cúbicos, representando 57 % do volume total de água contabilizada no Algarve (o setor urbano consome 34 % e o setor do golfe 6 %; perguntamos – quantas centrais de dessalinização terão que ser construídas para abastecer a agricultura?
Além disso, a dessalinização tem acoplada uma discriminação social – responsáveis oficiais têm sistematicamente reafirmado que a água das barragens, custeada por dinheiros públicos, se destina ao uso agrícola privado, e será comercializada a um preço mais baixo do que a obtida por dessalinização, destinada ao consumo público, mas proveniente de uma empresa privada ou em parceria público-privada. Como serão, então, garantidos os direitos ao acesso a esse recurso fundamental à vida?
O Estado também tem sugerido a construção de novas barragens e a solução “Captação de Água no Guadiana”; contudo, estas propostas entram em contradição com a Diretiva Quadro da Água, Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), Plano Nacional da Água (PNA) e Avaliação Nacional de Risco, porque têm fortes impactos, entre eles a diminuição do caudal dos rios, com impactos no local de captação e nos ecossistemas a jusante. Vejamos o caso do Guadiana – a parte jusante está integrada na Rede Natura 2000 e é previsível um aumento de salinidade no local da captação, em resultado do decréscimo de pluviosidade que se regista no sul do país. Além disso, o rio Guadiana é um rio transfronteiriço, pelo que os impactos atingirão Portugal e Espanha, pelo que terá que ser também discutido com o Estado Membro vizinho e a população local afectada.
Para aumentar o contrassenso, o Estudo “Regadio 2030” propôs que se alargue a área de regadio no Algarve e Alentejo, algo de que discordamos no parecer que apresentamos na consulta pública que
terminou a 14 de janeiro de 2022. Como se explica este alargamento, perante a escassez de água? Qual é a estratégia a curto, médio e longo prazo?
Assim, a PAS considera que a diversificação das origens de água deverá ser feita através do recurso às águas fluviais e residuais tratadas; discorda da construção da central de dessalinização, da “Captação de Água no Guadiana”, ou da construção de barragens, porque, além dos impactes ambientais por demais conhecidos, o aumento da temperatura/evaporação e diminuição da pluviosidade tornará o volume de água a armazenar cada vez menor.
Neste enquadramento temos considerado prioritárias e estruturantes as seguintes medidas:
Conclusão
A resolução da situação actual não é simples, pois serão necessárias medidas de curto prazo de cariz urgente (3Rs)5 e medidas de longo prazo (5Rs)6, mas não será encontrada com grandes obras de construção civil que aumentam a pegada ecológica agravando, consequentemente, a consumo de água, a desflorestação e a poluição do mar, o que, por sua vez, desequilibra ainda mais o clima.
1Atualmente, a PAS é constituída por: A Rocha Portugal, Água é Vida, Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, CIVIS – Associação para o Aprofundamento da Cidadania, a Ecotopia – Associação Ambiental e de Desenvolvimento Sustentável, o FALA – Fórum do Ambiente do Litoral Alentejano, Faro 1540 – Associação de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro, Glocal Faro, LPN – Liga para a Protecção da Natureza, a Probaal – Associação para o Barrocal Algarvio, Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza e Regenerarte – Associação de Proteção e Regeneração dos Ecossistemas.
2Apresentadas no PIAAC, no PREHA, no PRR, no Plano de Regadio 2030, entre outros.
3https://www.publico.pt/2022/02/17/local/noticia/central-dessalinizacao-algarve-sim-nao-concelho-1995525
4https://gulbenkian.pt/programas/programa-desenvolvimento-sustentavel/gulbenkian-agua/ Em Portugal, o setor agrícola é responsável por 75% do total de água utilizada, um número que contrasta com a média da União Europeia (24%) e chega a ser superior à média mundial (69%).
5Reutilizar águas residuais tratadas, reutilizar águas cinzentas, (Re)aproveitar águas pluviais e de escoamento superficial, Reduzir consumos (urbanos, agrícolas)
6Restaurar linhas de água, Reter as águas pluviais em edifícios, aquíferos e nos solos, (Re)adaptar o tipo de agricultura e a arquitetura dos espaços verdes à região, Reflorestar e(Re)projetar a gestão da água municipal.
24 de maio de 2023
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