A importância das Zonas Húmidas

O Dia Mundial das Zonas Húmidas passou a ser celebrado por ocasião da assinatura da «Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas», a 2 de fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar.

 

Em 2023, o tema do Dia Mundial das Zonas Húmidas alerta-nos para a necessidade urgente de dar prioridade ao restauro ecológico e convoca todas as gerações a reavivarem e restaurarem as zonas húmidas degradadas.

 

Mais de 35% das zonas húmidas do mundo foram degradadas ou perdidas desde 1970. Reverter essa tendência é fundamental.

 

“É tempo de restaurar as zonas húmidas!”

 

Neste Dia Mundial das Zonas Húmidas, a Liga para a Proteção da Natureza partilha algumas reflexões que ajudam a perceber a importância das zonas húmidas e o seu estado de conservação em Portugal.

 

Os relatórios científicos mais recentes revelam alterações sem precedentes no clima mundial e uma diminuição da biodiversidade a um ritmo alarmante, que importa reverter. Porque são as zonas húmidas e o seu restauro tão relevantes neste processo?

 

As zonas húmidas são importantes para a conservação da biodiversidade e para a regulação do clima. Constituem habitat para uma grande variedade de animais e plantas, incluindo muitas espécies ameaçadas ou em perigo de extinção, e armazenam ou transportam nutrientes que sustentam a cadeia alimentar. Para além da sua grande capacidade de retenção de carbono, que faz com que desempenhem um papel crucial na mitigação das alterações climáticas, as zonas húmidas constituem-se verdadeiras defesas naturais e agentes de combate a essas alterações, atuando como um “amortecedor” de variações bruscas causadas por fenómenos climáticos extremos, protegendo-nos de tempestades ao longo da costa, reduzindo e atrasando inundações ou mitigando o efeito de secas, ajudando a proteger as áreas adjacentes. Por outro lado, ao ocuparem posições vitais em todas as fases do ciclo da água, as zonas húmidas têm também um papel fundamental para a manutenção da biodiversidade no contexto das alterações climáticas, funcionando como refúgio. Se aqui lembrarmos o papel das zonas húmidas em etapas de desenvolvimento particularmente sensíveis de muitas espécies, de que é exemplo clássico a função de berçário dos estuários e lagoas costeiras, percebemos mais facilmente a sua importância na conservação da biodiversidade.

 

 

O preocupante estado de conservação das zonas húmidas em Portugal

 

Embora Portugal tenha ratificado a Convenção de Ramsar e tenha uma política de proteção das zonas húmidas, muitas áreas ainda enfrentam desafios significativos.

 

As zonas húmidas em Portugal estão a perder área devido ao desenvolvimento imobiliário, à construção de barragens e a outras atividades humanas, como a conversão para uso agrícola, urbano ou industrial.

 

Veja-se o caso das Alagoas Brancas, uma das últimas zonas húmidas de água doce do Algarve, no concelho de Lagoa, para onde está prevista a construção de um loteamento para fins comerciais. As Alagoas Brancas constituem-se um imprescindível instrumento natural para a mitigação das alterações climáticas e prevenção de inundações na cidade de Lagoa, enquanto área estratégica de infiltração e de proteção à recarga de aquíferos que não deve ser impermeabilizada. Apesar do seu reconhecido valor ecológico, histórico e cultural, e da forte contestação pelas associações de defesa do ambiente e por um forte movimento de cidadãos locais, o processo de destruição das Alagoas Brancas já está em curso.

 

Fotografia de CarlHawker

 

 

A salvaguarda da zona húmida das Alagoas Brancas ainda é possível. Para que o assunto possa ser levado à Assembleia da República, ajude-nos a atingir 7500 assinaturas na nova petição. Assine aqui.

 

Outro exemplo que a LPN tem acompanhado de forma muito próxima é o da destruição de lagoas temporárias Mediterrânicas, um habitat prioritário da Diretiva Habitats da União Europeia. Só na Costa Sudoeste Alentejana, registou-se uma perda de cerca de 56% destas zonas húmidas em duas décadas, dos quais 89,3% foram destruídos devido a atividades agrícolas (e.g. cultivo, conversão em charcos permanentes e drenagem). A destruição de cinco lagoas temporárias Mediterrânicas em Odemira, levou a LPN a apresentar, em 2022, uma denúncia pela prática de um crime junto do Ministério Público - clique aqui.

 

 

As lagoas temporárias Mediterrânicas, verdadeiros oásis de biodiversidade

No âmbito do LIFE Charcos, um projeto liderado pela LPN, identificaram-se 133 lagoas temporárias Mediterrânicas na Zona Especial de Conservação da Costa Sudoeste. Destas, apenas 23 se apresentavam em estado Favorável de conservação (17,3%) e 110 em estado Desfavorável (82,7%). Nelas foram identificadas cerca de 250 espécies de plantas (11 das quais com estatuto de proteção ou distribuição restrita), 13 espécies de anfíbios, várias espécies de micromamíferos, como o rato de Cabrera e o rato-de-água e 17 espécies de morcegos (algumas criticamente em perigo). Existe também um grupo desconhecido que é inteiramente dependente destas zonas húmidas, que são os crustáceos grandes branquiópodes, sendo que nesta área existem metade das espécies existentes em Portugal, entre as quais um endemismo como o camarão-girino (Triops vicentinus) e uma espécie muito rara de camarão-concha (Maghrebestheria maroccana) que foi registada num só charco estudado pelo projeto.

 

Lagoa temporária Mediterrânica na Costa Sudoeste.

 

 

 

Muitas vezes desvalorizada, mas igualmente preocupante enquanto ameaça, é a alteração do regime de água ao nível de toda a bacia hidrográfica. A construção de barragens ou a realização de drenagens, a impermeabilização dos solos, a canalização de linhas de água ou a normalização de fluxos, provocam danos diretos e indiretos nas zonas húmidas, ao enfraquecer os lençóis freáticos que as alimentam e, assim, levando à perda da sua função ecossistémica. Adicionalmente, e como os acontecimentos mais recentes nos lembraram, também colocam as populações humanas em risco, seja pelo risco de inundações nos períodos de chuva, ou pela escassez de água para abastecimento nos períodos de seca.

 

Estas ameaças têm em comum o facto de as estarmos a tentar travar há décadas, ainda sem os resultados desejados. Entretanto, outras surgiram e intensificaram-se, como é o caso das espécies invasoras, de complexa e dispendiosa resolução, e as alterações climáticas, incluindo a elevação do nível do mar e fenómenos como a seca, que podem alterar os equilíbrios dos ecossistemas das zonas húmidas e causar perdas significativas de biodiversidade.

 

O combate destas ameaças vai da política e planeamento, à prática! No contexto nacional, é necessário melhorar a gestão territorial e gerir de forma sustentável as águas ao nível das bacias hidrográficas, em cumprimento com a Diretiva Quadro da Água, de forma a evitar a continuação da degradação e a promover a proteção e melhoria do estado das zonas húmidas diretamente dependentes dos ecossistemas aquáticos. Precisamos atuar em várias frentes: educar e sensibilizar, conservar e monitorizar o seu estado de conservação, gerir, controlar, fiscalizar e, sempre que aplicável, punir os responsáveis pela degradação e destruição, obrigando-os ao seu restauro ecológico.

Atingimos um ponto em que o que nos resta não é suficiente. É, efetivamente, tempo de promover a renaturalização e a recuperação ambiental das zonas húmidas e áreas circundantes, envolvendo as comunidades locais nessas ações.

 

É tempo de ação, é tempo de restaurar!

#GeraçãoRestauro

 

 

Ação de limpeza das margens da Lagoa de Óbidos, com a participação de uma centena de voluntários da comunidade e entidades locais.

 

 

A Ribeira do Vascão

Classificada como Sítio Ramsar em 2012, é o maior rio em Portugal sem interrupções artificiais e um dos poucos cursos de água mediterrânicos completamente no seu estado natural. Tanto em termos de flora como de fauna, é uma área privilegiada com vários endemismos e comunidades biológicas de elevado interesse, suportando elevadas concentrações de espécies ameaçadas de peixes de água doce como o saramugo (Anaecypris hispanica), a enguia-europeia (Anguilla anguilla) e a lampreia-marinha (Petromyzon marinus). No âmbito do LIFE Saramugo, um projeto liderado pela LPN, foi possível implementar um conjunto de ações de restauro ecológico num troço desta importante zona húmida. Saiba mais aqui.

 

 

A Convenção de Ramsar e a sua implementação em Portugal

 

A Convenção de Ramsar é considerada um dos acordos internacionais mais bem-sucedidos para a conservação da biodiversidade, e os seus resultados ao longo dos anos são amplamente positivos. Desde a sua criação em 1971, a Convenção levou à classificação de áreas protegidas para a salvaguarda de zonas húmidas em mais de 2.400 áreas em todo o mundo, representando uma superfície total de mais de 250 milhões de hectares, e trouxe consciência global do papel das zonas húmidas para a biodiversidade e o bem-estar humano.

Este tratado intergovernamental ajudou a estabelecer princípios e padrões para a gestão adequada das zonas húmidas, incluindo a monitorização e a avaliação da qualidade da água e da biodiversidade, ao mesmo tempo que estabelecendo marcos para ações nacionais e promovendo a cooperação internacional na sua proteção e uso racional.

 

Embora Portugal tenha ratificado a Convenção de Ramsar há mais de 40 anos, ainda existem algumas falhas na sua implementação, que dificultam a efetiva proteção e conservação das zonas húmidas em Portugal. É preciso investir mais esforço.

Além de uma insuficiente gestão, a reduzida alocação de recursos, humanos mas sobretudo financeiros, dificulta a implementação de medidas efetivas. A sensibilização da sociedade para a importância destes ecossistemas, em que a celebração do Dia Mundial das Zonas Húmidas desempenha um relevante papel, abre caminho para uma maior valorização e priorização, com vista à captação de interesse (incluindo político) para a mobilização de recursos e ação.

Para além da mitigação das ameaças, designadamente da crescente pressão humana, é de extrema importância investir também na monitorização contínua do estado de conservação das zonas húmidas, para que possamos tomar medidas rápidas e eficientes para garantir a sua proteção e conservação a longo prazo.

 

 

Saiba também o que pensam outras Organizações Não-Governamentais de Ambiente e especialistas portugueses que, por ocasião da celebração do Dia Mundial das Zonas Húmidas, partilharam ‘porque razão é tão importante proteger as zonas húmidas’  - clique aqui.

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