Assinala-se hoje o Dia Internacional das Zonas Húmidas.
Esta data pretende sensibilizar para a proteção das zonas húmidas e sublinhar a importância que estas têm para a existência de vida no nosso planeta. Com este objetivo, procura-se aumentar o capital financeiro, humano e político para preservar e restaurar estes importantes habitats.
Em 2022 as celebrações têm como tema “Agir pelas Zonas Húmidas é agir pela Humanidade e pela Natureza”. Pretende-se assim, um pouco por todo o mundo, apelar à ação para aumento dos esforços e do investimento na conservação, gestão e restauro das zonas húmidas, enquanto solução eficiente para se resolverem as crises da biodiversidade e do clima.
Este é um apelo para o qual Portugal precisa olhar com particular cuidado, face ao atual estado e necessidades de conservação, proteção e restauro de muitas das suas zonas húmidas.
Todos somos chamados a agir, começando pelas entidades públicas, mas também as privadas, os proprietários, agricultores e outros gestores do território, a sociedade civil e as suas representantes, como é o caso das associações de defesa do ambiente.
A Liga para a Protecção da Natureza (LPN) não é exceção, pelo que hoje assinalamos também parte das nossas ações pelas Zonas Húmidas em Portugal, pelas Comunidades que delas dependem e usufruem, e pela Natureza que acolhem.
Zonas Húmidas, um valor ecológico e socioeconómico
Muitos são os que hoje já valorizam as zonas húmidas como ecossistemas de grande importância do ponto de vista ecológico, especialmente como habitat para as aves aquáticas. Não é por acaso que existe um tão grande número de estruturas de observação de aves instaladas nestes habitats – para além de um maior contacto com a Natureza, quem nelas passeia procura normalmente também contemplar a beleza, o número e a diversidade de espécies de aves que ali ocorre sem lhes causar perturbação.
Contudo, são poucos ainda os que nelas veem o fornecimento de um sem número de serviços à humanidade - uns que nos tocam mais diretamente e outros que, passando mais despercebidos, não deixam de ser essenciais para o nosso bem-estar. O valor socioeconómico das zonas húmidas é, na verdade, dos mais elevados, não apenas pela sua elevada produtividade, que se reflete em recursos que nos chegam no dia-a-dia pelo seu valor gastronómico, como o peixe, os bivalves ou a salicórnia, mas também por outros serviços de aprovisionamento, de regulação, de suporte e culturais que nos prestam. São importantes exemplos a água que estas zonas armazenam e que abastece populações e explorações agrícolas, a manutenção de um solo fértil ao regular os ciclos de nutrientes, a regulação de regimes hídricos, impedindo a ocorrências de cheias ou mitigando os seus efeitos, e o lazer e o turismo – por vezes desmedido – que alimenta a economia local.
Pela sua grande riqueza, ao longo dos tempos, as mais importantes zonas húmidas do Planeta viveram rodeadas de comunidades humanas, que delas retiravam o seu sustento. Em torno de tão importante património natural, surge por isso muitas vezes associado um ímpar património histórico-cultural, reconhecido desde a escala local à internacional.
As zonas húmidas representam, inevitavelmente, motores de desenvolvimento e de herança que reservam na sua estrutura e integridade os seus diferentes valores. Valores que se têm vindo a desintegrar, bem como tudo o que delas depende.
A poluição, a destruição direta, a interrupção de cursos de água, a exploração excessiva e insustentável dos seus recursos, e o avanço das alterações climáticas, ameaçam todos os dias as zonas húmidas e a sua biodiversidade.
Como parte do seu trabalho de conservação de habitats e espécies ameaçadas e de cidadania ambiental, a LPN tem vindo a trabalhar em diferentes zonas húmidas em regiões distintas de Portugal continental, procurando protegê-las, restaurá-las e aumentar o seu reconhecimento por parte da sociedade.
Os Charcos Temporários Mediterrânicos da Costa Sudoeste ganharam vida ao verem-se, pela primeira vez, descritos e cartografados. Estes habitats são protegidos à luz de diretivas europeias e salvaguardam verdadeiros tesouros naturais únicos, que não se encontram em qualquer outro ponto do mundo. No entanto, nem o seu incalculável património parece impedir a sua destruição sob o mar de estufas e túneis de vento que inunda o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Restaurámos vários troços de ribeiras em toda a área de distribuição historicamente conhecida do saramugo (Anaecypris hispanica) – uma das espécies piscícolas de água doce mais ameaçada do nosso país e da Península Ibérica – na Bacia do Guadiana. Intervimos nos Sítios de Importância Comunitária de S. Mamede, Moura/Barrancos e Guadiana, através da reabilitação do meio aquático e requalificação hidromorfológica, minimização do impacto do gado, remoção de espécies piscícolas exóticas, entre outras ações de restauro do habitat e recuperação da espécie.
Com o apoio do município de Vila Nova de Poiares, temos posto ‘a descoberto’ a ribeira de Poiares, removendo-lhe espécies exóticas como as acácias e dando espaço às espécies de flora nativa da sua galeria ripícola. Os trabalhos em curso prolongam-se além da zona húmida, ao longo da Quinta da Moenda (propriedade da LPN) e, agora também, das propriedades vizinhas, removendo-se acácias e eucaliptos, ao mesmo tempo que promovendo a regeneração natural da floresta por espécies nativas. Hoje, a Quinta da Moenda é uma ilha de biodiversidade dominada por carvalhos, bordos e castanheiros, e mais resiliente ao fogo.
Veja o vídeo da Quinta da Moenda.
Enquanto coordenadores de um projeto do Orçamento Participativo Portugal (OPP), criámos e disponibilizámos ao visitante da Lagoa de Óbidos um conjunto de ferramentas informativas de apoio à interpretação do lugar e da sua história de relação com as comunidades locais, contribuindo para a proteção, valorização e transmissão do património natural e cultural locais às gerações futuras. Um esforço que continua com o apoio dos municípios locais, das Caldas da Rainha e de Óbidos, com a dinamização de ações de educação e sensibilização das comunidades locais.
A LPN é um dos parceiros do Espaço de Visitação e Observação de Aves (EVOA), um projeto que pretende salvaguardar os valores avifaunisticos, disponibilizar e assegurar condições de visitação numa área priveligiada em termos de avifauna e criar um modelo auto-sustentável para a conservação da natureza.
Localizado no coração da mais importante zona húmida de Portugal, o estuário do Tejo, o EVOA permite que os visitantes conheçam e desfrutem do património único, existente entre a lezíria e o estuário do Tejo.
Perante as fortes pressões a que as Salinas de Alverca e as Salinas do Forte da Casa se encontravam sujeitas, como a construção de infraestruturas várias, urbanização, poluição industrial e doméstica, perturbação, colmatação e abandono/redução da gestão do terreno, a LPN depressa se envolveu no esforço pelo reconhecimento público da sua importância ecológica e necessidade de efetiva classificação, com vista à sua salvaguarda. Esta zona húmida, localizada na margem Norte do estuário do Tejo, constitui um dos locais de nidificação mais importantes para as aves aquáticas dessa zona húmida.
Recentemente, vimos ser apresentada a proposta de classificação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, em Silves, envolvendo essa importante massa de água, o sapal de Alcantarilha e o cordão dunar contíguo à praia Grande. Trata-se da primeira proposta de classificação de uma nova área protegida em mais de 20 anos, pelo que apenas poderia recolher a consideração e entusiasmo por parte de quem destaca a conservação da Natureza como prioridade. Porém, a Reserva não está ainda classificada, estando sujeita ao trajeto legal e burocrático de alteração da classificação dos terrenos, sob forte pressão pelo setor do turismo e imobiliário. O ano de 2022 será determinante para averiguar para que lado tende a balança dos decisores, contando com uma forte pressão da LPN e demais ONGAs que se baterão pela criação efetiva desta nova área protegida de âmbito nacional nos trâmites previstos.
Fotografia de Nuno Barros.
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