Ao encontro da Geodiversidade e Biodiversidade do Parque Natural da Arrábida
“A Serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de pedra e mato, é o fóssil de uma onda” in Sebastião da Gama, 1949

 

O Parque Natural da Arrábida e o estuário do Sado é uma porta do oceano e um ecossistema mediterrânico com um caráter de excecionalidade.

 

Para além da diversidade de processos geológicos que se encontram registados para a compreensão da História da Terra e da Vida, de ser um ecossistema raro e complexo, a Arrábida é um referencial de cultura, de identidade nacional e de substância espiritual. 

 

Dando a conhecer este património de conhecer para melhor a preservar, fomos ao encontro da Geologia, viajando pelo tempo no Parque Natural da Arrábida. Essas eram as finalidades da saída de campo levadas a cabo pela Escola Secundária de Camarate, no âmbito do Projeto Despertar para a Natureza e do Clube de Ciência Viva da escola, em parceria com a LPN.

 

A primeira impressão que nos salta à vista, de um modo geral, numa saída ao Parque Natural da Arrábida, é a luz. A luz que brilha de conhecimento e que nos transporta para outros tempos, em que os dinossauros caminhavam deixando os seus vestígios datados entre o Jurássico superior e o Cretácico inferior.

 

Numa manhã soalheira juntámo-nos à professora Andreia Monteiro e aos seus colegas, professores da Escola Secundária de Camarate, para mais uma saída do Projeto Despertar para a Natureza, apoiado pela EPAL com alunos do 10º e 11º ano do curso de Ciências e Tecnologias, no âmbito do Clube Ciência Viva na Escola Secundária de Camarate, em parceria com a LPN.

 

A primeira paragem foi no Santuário do Cabo Espichel, e, de imediato, se apercebeu o excelente relacionamento da professora com os alunos, pautada por respeito e confiança.

 

Alunos do 10/11º ano e professores da Escola Secundária de Camarate junto ao transporte cedido pela EPAL no início da saída de campo.

 

 

Mediante a entrega dos guiões aos alunos, a professora Andreia Monteiro e o professor Jorge Fernandes-destacado na LPN fizeram o enquadramento da região do Cabo Espichel e da Cordilheira da Arrábida.

 

O Santuário da Nossa Senhora do Cabo celebra um culto inspirado na lenda de um homem que viu uma grande luz no topo da falésia. Nossa Senhora teria subido a inclinação íngreme sentada no dorso de um burro. A lenda foi inspirada nos trilhos de dinossauros visíveis sob a ermida da Memória, na Baía dos Lagosteiros- Monumento Natural das Pegadas de dinossauros da Pedra da Mua (Decreto nº20/97 de 7 de maio) e interpretadas como pegadas de um burro, num claro exemplo de cruzamento entre a Geologia, o simbolismo e o sagrado que o Cabo Espichel evidencia.

 

Breve descrição do trabalho a efetuar pelos alunos pela professora Andreia Monteiro.

 

 

Enquadramento geográfico e geológico da cordilheira do Cabo Espichel.

 

 

Preenchimento dos guiões pelos aluno junto à capela da Memória ou da Pedra da Mua.

 

 

Após a explicação inicial junto à capela da Memória ou da Pedra da Mua, onde por debaixo, nas lajes calcárias, se situam as pegadas de saurópodes do Monumento Natural da Pedra da Mua caminhámos por cima das arribas para norte através de um percurso pedestre de cerca de 1,5 km.

 

Sentíamo-nos viajar pelos degraus do tempo, passando o contacto entre o Jurássico superior e o Cretácico inferior, rumo ao outro monumento natural de icnofósseis do Parque Natural da Arrábida- o Monumento Natural dos Lagosteiros. No caminho de terra batida, num percurso fácil pelas arribas constituídas por camadas inclinadas em cerca de 45º na baía dos Lagosteiros, essencialmente constituídas por calcários, margas e arenitos, íamos observando afloramentos com inúmeros vestígios de atividade de invertebrados (bioturbação) e excelentes exemplares de fósseis de gastrópodes. A paisagem era magnífica esmaltada sempre com o tom azul do oceano, num cheiro de maresia misturado com o das plantas aromáticas. Chegados ao miradouro situado a norte da baía dos Lagosteiros tentámos visualizar as pegadas de dinossauros da pedra da Mua, a Sul, facilmente confundidas com as pequenas depressões cobertas por vegetação.

 

 

Fósseis de gastrópodes junto ao monumento natural de Lagosteiros.

 

 

 

A atestar a importância geológica da serra, que para além das suas condições climáticas proporcionam uma riqueza florística assinalável e única, refira-se que três dos sete Monumentos Naturais classificados em Portugal se encontram na região, todos eles registando a presença dos dinossauros numa altura em que as arribas do Cabo Espichel eram uma zona litoral rasa e plana banhada por um mar pouco profundo. E foi nessas margens desse mar, que os dinossauros deixaram as suas pegadas (in Portugal em Pedra).

 

Mas na senda do compromisso de se observarem as pegadas in loco, para que não existissem dúvidas até para os espíritos mais descrentes na ciência, e na sensação única de se estar junto às jazidas de icnofósseis, encarámos o desafio de descermos pela arriba de acentuada inclinação para observarmos a Jazida de icnofósseis dos Lagosteiros. Chegados ao local, avistámos as pegadas impressas na superfície da bancada do topo da arriba atribuída à formação de Ladeiras, datada do Hauteriviano (Cretácico inferior).

 

 

Vista da jazida de pegadas de dinossauro de Lagosteiros. Pista de grande saurópode e impressão da cauda (ou tronco) e pés de Iguanodon.

 

 

Mas desejávamos estar mais perto das pegadas e dos vestígios dos dinossauros, era esse o nosso objetivo, até porque a firmeza era grande por parte dos alunos também!  Mas a expedição era desafiante… bem lá em baixo, haveria que percorrer alguns metros pelas lajes calcárias bastante inclinadas e em alguns locais escorregadias. Assim, inicialmente, alertando os alunos para terem cuidado, dois de nós fomos avaliar o percurso, indicando melhor o caminho de forma a ninguém escorregar sendo que, posteriormente, o grupo dividiu-se em dois, por questões de segurança.

 

Chegados junto às pegadas, a satisfação era visível em todos os alunos e professores. O rosto da professora Andreia Monteiro iluminou-se e conseguia-se ver um sorriso nas faces dos alunos e professores.

 

Lá em cima, o outro grupo esperava ansiosamente também por descer e estar em contacto com as lajes calcárias. -“Já viram a sensação que é, a de estarmos junto às pegadas dos dinossauros e procurar interpretar como era a vida deles, o ambiente e o percurso que estavam a fazer naquele momento através das pistas deixadas por eles? Questionava a professora Andreia Monteiro. Entretanto os alunos iam efetuando esquemas das observações e registando as explicações dos professores.

 

Explicação da professora Andreia Monteiro por cima da laje calcária onde se visualizam as impressões dos dinossáurios.

 

 

 

Indicação da impressão da cauda (ou tronco fossilizado) de Iguanodon e pistas de grande saurópode.

 

 

Muitas pessoas, nomeadamente, alguns educadores, têm uma perceção de risco demasiado elevada. Isso obstaculiza contornar-se experiências e encarar as dificuldades quotidianas no futuro aos alunos.

 

As condições desafiantes são um princípio educativo. Constituem ferramentas importantes para os jovens construírem a sua autonomia e melhor se adaptarem aos obstáculos que as sociedades proporcionam e aos riscos que possam advir. Saber contornar esses obstáculos, confiando nas suas habilidades os jovens estarão mais bem preparados para superar os desafios do dia a dia. Essa foi também uma lição que a visita à jazida dos Lagosteiros constituiu, para além da sensação única e indescritível de se contactar e de se ter acesso a um dos conjuntos mais notáveis do Cretácico da Europa e o único desta idade em Portugal.

 

Note-se, no entanto, embora essa experiência seja envolvente e fantástica, ela não será recomendável em dias de chuva, devido às lajes se tornarem mais escorregadias.

 

Após a caminhada nessa experiência envolvente e mágica, partimos rumo ao Castelo de Sesimbra. Aí, sobranceiro ao vale de Sesimbra que corresponde morfologicamente a uma estrutura muito particular a que se dá o nome de Diapiro, almoçámos na sombra dos pinheiros, avistando uma paisagem magnífica para a vila de Sesimbra, para os seus relevos circundantes e o oceano.

 

E como já tínhamos recomposto as energias, lá fomos em direção à paragem da Pedreira do Jaspe na serra mágica da Arrábida onde a paisagem é fonte de poesia. Junto à Mata do Solitário, uma área de proteção total que testemunha as matas mediterrânicas de há muitos milhares de anos, antes das Glaciações, avistávamos a serra do Risco - a falésia calcária mais alta da Europa, descrita por Sebastião da Gama como o “fóssil de uma onda”. Junto à Pedreira do jaspe, através da carta geológica fez-se um enquadramento da Geologia, do tipo de vegetação e ecossistema.

 

 

Descrição do contexto geológico e do ecossistema junto à Pedreira do Jaspe.

 

 

Envoltos nessa magia contagiante de harmonia entre a serra e o mar, os alunos efetuaram um pequeno percurso pedestre percorrendo um trilho com a vegetação caraterística chegando ao local de uma antiga pedreira, onde se explorava como rocha ornamental – a brecha da Arrábida.

 

 

Descrição da brecha da Arrábida pela professora Andreia Monteiro.

 

 

 

A brecha da Arrábida é uma rocha ornamental rara, de um tipo litológico único com elevado valor didático e científico, que se formou há cerca de 150 milhões de anos e que ao longo da história, se encontra como elemento decorativo e componente construtivo em vários monumentos associados à época dos Descobrimentos e ao estilo manuelino, como o Convento de Jesus.

 

Posteriormente, com a ajuda dos professores, os alunos fizeram a descrição em amostra de mão da textura, da natureza dos clastos da brecha da Arrábida.

 

 

Observação de pormenor por aluna, dos clastos constituintes da brecha da Arrábida.

 

 

E se os antigos romanos pudessem falar agora… o que diriam da sua exploração de preparados piscícolas junto à praia do Creiro e da beleza desse lugar? De facto, o impressionante legado desta cultura foi, de seguida...  um local de paragem. Após uma caminhada até ás ruínas romanas do Creiro, de frente para o afloramento do miocénico da Pedra da Anicha, o professor destacado salientou a importância do contexto geológico, nomeadamente, de se tratar de uma evidência da primeira fase de deformação bética (assim designada por ser contemporânea dos movimentos tectónicos que originaram as montanhas Béticas situadas no Sudoeste da Península Ibérica) da cadeia da Arrábida.

 

Foi também mencionado a questão da evolução da praia do Portinho da Arrábida, devido à perda progressiva considerável de sedimentos no areal que se tem registado nos últimos 100 anos, pois entre outras hipóteses de origem natural, não se coloca de parte a hipótese de ações de fixação do canal de navegação e de dragagens efetuadas. (Rebelo, L. & Nave, S., 2018).

 

Enquadramento histórico e contexto geológico junto ás ruínas romanas do Creiro.

 

 

E após essa paragem, olhando para as vertentes verdejantes e para o mar em frente que traz prosperidade à região, classificado como protegido – Parque Marinho Professor Luís Saldanha, os alunos e professores regressaram já ao fim da tarde à escola, num dia preenchido, mas com uma experiência e aprendizagem mais significativa que é o objetivo proposto pelo Projeto Despertar para a Natureza da LPN com o apoio do transporte cedido pela EPAL.

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