Aprendendo com a natureza na Arrábida

Numa manhã soalheira juntámo-nos à professora Andreia Monteiro e aos seus colegas, professores do Agrupamento de Escolas 4 de outubro – Loures, para mais uma saída de campo do Projeto Despertar para a Natureza, apoiada pela EPAL com alunos do 10º ano do curso de Ciências e Tecnologias, no âmbito do Projeto Despertar para Natureza.

 

O desafio proposto foi aliciante – um itinerário por alguns locais da Arrábida – al-rábita, dando a conhecer a sua Biodiversidade e Geodiversidade. Para além da diversidade de processos geológicos que se encontram registados para a compreensão da História da Terra e da Vida, de ser um ecossistema raro e complexo, a Arrábida é um referencial de cultura, de identidade nacional e de substância espiritual.

 

Foi um excelente exemplo de uma saída campo na Arrábida bem planificada e interdisciplinar, indo ao encontro do despacho normativo nº 6147/2019, que de acordo com o preconizado no Perfil dos Alunos á Saída da Escolaridade Obrigatória menciona que “as visitas de estudo se revestem de particular importância na qualidade das aprendizagens e na formação integral dos alunos, uma vez que promovem o conhecimento através de atividades e projetos multidisciplinares a formação pessoal e social dos alunos e a articulação entre a escola e o meio”.

 

A saída de campo iniciou-se na Plataforma do Cabo Espichel, junto ao Santuário do Cabo Espichel, inserido no Parque Natural da Arrábida, e, de imediato, se apercebeu a planificação exemplar por parte da professora com propostas de trabalho e de atividades para os alunos.

 

Mediante a entrega dos guiões aos alunos pela professora Andreia Monteiro, o professor Jorge Fernandes-destacado na LPN fez o enquadramento da região do Cabo Espichel e da Cordilheira da Arrábida.

 

O Cabo Espichel – Promontorium barbaricum- nome conferido por geógrafos da antiguidade, como Estrabão e Ptolomeu, um lugar sacralizado face ao seu aspeto grandioso e imponente, tem associado várias lendas. Uma das lendas é a lenda da Pedra da Mua, que diz que um idoso de Alcabideche sonhou (ou viu) de noite uma luz a brilhar no Cabo Espichel. Igual sonho teve uma velha da Caparica. Ambos se puseram a caminho, procurando descobrir o “mistério” daquela luz que continuava a brilhar todas as noites. Os dois se encontraram no caminho e ao chegar ao Cabo ficaram maravilhados por verem a Virgem Maria montada numa mula que subiu a escarpada arriba deixando nas pedras as marcas das suas patas. Encontra-se referência a esta lenda num texto de R. Guimarães, datado de 1872 (In Cunha Serrão, 1981, citado por Caetano, P 1985). Esta será, muito provavelmente, a primeira referência escrita, embora indevida, à existência de pegadas e trilhos de dinossauro.

 

Mais tarde, construiu-se a Ermida da Memória, e sob a Ermida, na Baía dos Lagosteiros – encontra-se o Monumento Natural das Pegadas de dinossauros da Pedra da Mua (Decreto nº20/97 de 7 de maio), interpretadas como pegadas de um burro, num claro exemplo de cruzamento entre a Geologia, o simbolismo e o sagrado que o Cabo Espichel evidencia.

 

Após a explicação inicial e preenchimento das questões formuladas no guião, junto à Ermida da Memória ou da Pedra da Mua, onde por debaixo, nas lajes calcárias, se situam as pegadas de saurópodes do Monumento Natural da Pedra da Mua, atestando o comportamento comunitário destes animais (que viviam em grupo), datados do Jurássico Superior, caminhou-se por cima das arribas para norte, através de um trilho de percurso pedestre com aproximadamente 2,5 km.

 

Sentíamo-nos viajar pelos degraus do tempo, passando o contacto entre o Jurássico superior e o Cretácico inferior, rumo a um outro monumento natural de icnofósseis do Parque Natural da Arrábida - o Monumento Natural dos Lagosteiros, atribuída à Formação das Ladeiras, datada do Cretácico Inferior e que constitui um dos conjuntos mais notáveis do Cretácico da Europa, segundo M.T. Antunes.

 

No caminho de terra batida, num percurso fácil pelas arribas constituídas por camadas inclinadas em cerca de 45º na baía dos Lagosteiros, essencialmente constituídas por calcários, margas e arenitos, íamos observando afloramentos com inúmeros vestígios de atividade de invertebrados (bioturbação) com excelentes exemplares de fósseis de gastrópodes e bivalves.

 

A paisagem era magnífica e esmaltada sempre com o tom azul do oceano, num cheiro de maresia misturado com o das plantas aromáticas.  À medida que se caminhava ia-se identificando e caraterizando as principais espécies da flora dominante do percurso, como sejam os matos de Quercus coccifera (Carrasco) e Juniperus turbinata com Pistacia lentiscus (Aroeira), Philirea angustifólia (Aderno), Olea sylvestris (Zambujeiro), Smilax aspera (Salsaparrilha), Lonicera implexa (Madressilva), entre outras, enfatizando-se as diversas adaptações das plantas às condições edafoclimáticas do local.

 

Chegados ao miradouro situado a norte da baía dos Lagosteiros tentámos visualizar as pegadas de dinossauros da pedra da Mua, a Sul, facilmente confundidas com as pequenas depressões cobertas por vegetação.

 

A atestar a importância geológica da serra, que para além das suas condições climáticas proporcionam uma riqueza florística assinalável e única, refira-se que três dos sete Monumentos Naturais classificados em Portugal se encontram na região, todos eles registando a presença dos dinossauros numa altura em que as arribas do Cabo Espichel eram uma zona litoral rasa e plana banhada por um mar pouco profundo. E foi nessas margens desse mar, que os dinossauros deixaram as suas pegadas (in Portugal em Pedra).

 

Felizmente, presenciámos, não só a existência de boas indicações, como também a presença de trilhos, passadiços e painéis informativos novos, com excelente informação pedagógica, implementados por diversas entidades em parceria (Câmara Municipal de Sesimbra, ICNF, FCT, FCUL) e a recuperação do espaço para uma visitação mais segura face ao declive acentuado da arriba onde as pegadas se encontram impressas, não obstante, não se permitir uma visualização mais próxima.

Após a caminhada nessa experiência envolvente e mística a norte do Cabo Espichel, partimos rumo ao Castelo de Sesimbra. Aí, na Colina do Castelo sobranceiro ao vale de Sesimbra - uma estrutura que corresponde morfologicamente à designação de um Diapiro associada ao Vale Tifónico, almoçámos na sombra dos pinheiros, avistando uma paisagem magnífica para a “depressão de Sesimbra”, para os seus relevos circundantes e oceano.

 

Após termos recomposto as energias, lá fomos em direção à paragem da Pedreira do Jaspe, na serra mágica da Arrábida, onde a paisagem é fonte de poesia. Junto à Mata do Solitário, uma área de proteção total que testemunha as matas mediterrânicas de há muitos milhares de anos, antes das Glaciações, avistávamos a serra do Risco - a falésia calcária mais alta da Europa, descrita por Sebastião da Gama como o “fóssil de uma onda”. Junto à Pedreira do Jaspe, através da carta geológica fez-se um enquadramento da Geologia, do tipo de vegetação e do ecossistema.

 

A Serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de pedra e mato, é o fóssil de uma onda” in Sebastião da Gama, 1949

 

Chegados ao local de uma antiga pedreira, apreciámos a Brecha da Arrábida, rocha ornamental classificada com Pedra Património Mundial, atribuída pela Subcomissão do Património Geológico da International Union of Geological Sciences (IUGS), parceira da UNESCO para diversos assuntos relacionados com as Geociências.

De grande importância histórica, associada ao elevado valor didático e científico, a Brecha da Arrábida formou-se há cerca de 150 milhões de anos e ao longo da história, encontra-se como elemento decorativo e componente construtivo em vários monumentos, desde a Época Romana até ao século XV, distribuídos por seis Países além de Portugal, associados à época dos Descobrimentos e ao estilo manuelino, como por exemplo o Convento de Jesus.

 

Trata-se de um local icónico a todos os níveis, afirmando-se como um dos locais que testemunha não só o início do desenvolvimento da geologia portuguesa, mas também o da Conservação da Natureza, face ao apelo do poeta Sebastião da Gama relativo à destruição da mata do solitário e que posteriormente deu origem à fundação da LPN.

 

Entretanto, observando-se a Serra do Risco, a escarpa litoral mais alta da Europa,  o professor de Português sugeriu a leitura de trechos de poemas evocando a Arrábida, que se enaltece de poesia face à sua beleza e onde nela se brota uma força inspiradora.

 

Após a leitura de poesia de Sebastião da Gama, com a ajuda dos professores, os alunos fizeram a descrição em amostra de mão da textura, da natureza dos clastos da brecha da Arrábida, articulando-se com os conteúdos de Físico-Química com a colaboração da professora da disciplina.

 

Observando as vertentes verdejantes e para o mar em frente que traz prosperidade à região, classificado como protegido – Parque Marinho Professor Luís Saldanha, e no qual a LPN teve um contributo significativo para a sua classificação com muitos trabalhos científicos a serem desenvolvidos nesse mar especial (exemplo projeto Inforbiomares e Diversea), os alunos completavam as últimas questões do guião de aprendizagem.

 

E já o Sol se ia na magnitude da serra, registando as memórias e reflexões da saída de campo, quando os alunos e professores regressaram já ao fim da tarde à escola, num dia preenchido de conhecimento e envolvência natural.

 

Esta saída de campo, com a participação ativa dos professores acompanhantes foi um exemplo de uma ação interdisciplinar. Isso permitiu uma construção do conhecimento mais concreta e contextualizada, verificando-se como aa saídas de campo possibilitam que os alunos vejam como diferentes disciplinas se relacionam entre si, formando uma visão mais completa a abrangente do Mundo. São esses os objetivos do Projeto Despertar para a Natureza da LPN com o apoio da EPAL e que vão ao encontro das Aprendizagens Essenciais do perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, do Referencial de Educação para a Sustentabilidade e Estratégia Nacional de Educação Ambiental.

 

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