Aprendendo no coração da Natureza por trilhos de Monserrate, praia do Magoito e Penedo do Lexim

O contacto e experiências na natureza deve ser uma dimensão fundamental da Educação Ambiental. As saídas/aulas de campo bem organizadas e planificadas podem permitir aos alunos uma abordagem mais integrada de saberes e uma complementaridade dos currículos das disciplinas possibilitada pelo contacto e experiência com o património natural e cultural em diferentes zonas do território. Esse contacto e experiências na Natureza pode ser fomentado pelos professores através de aulas/saídas de campo. Nesse âmbito, a LPN organiza ações de formação com diferentes estratégias de ensino, preparando adequadamente as aulas de campo, definindo-se os objetivos e competências a atingir, de forma a modificar a ideia de que uma aula de campo seja um simples passeio pelo campo.

 

Nesta nossa viagem de promover o ar livre e de aprender com a Natureza, a LPN através do Projeto Despertar para a Natureza realizou mais uma ação de saída de campo, que teve a participação de alunos do 11º ano e professores da Escola Secundária do Lumiar.

 

No respeito pelas linhas orientadoras estabelecidas pelo despacho normativo nº6147/2019, do Ministério da Educação que define as linhas orientadoras na organização e realização das atividades a desenvolver fora do espaço escolar, a LPN organizou juntamente com a professora Júlia Xisto do Agrupamento de Escolas Lindley Cintra – Escola Secundária do Lumiar, uma saída campo com alunos do 11º ano com o seguinte itinerário: Percurso pedestre nos Lagos de Monserrate – Praia do Magoito e Penedo do Lexim, através do Projeto Despertar pra a Natureza.

 

O projeto Despertar para a Natureza visa estimular uma cidadania ambiental que potencia as aprendizagens ao ar livre, com experiências na natureza articulando a Escola e o meio. Essa é uma dimensão estratégica da LPN, de promover-se o sentido e a ligação com o lugar, com o mundo natural, incluindo diferentes áreas do saber, como por exemplo, os valores estéticos, afetivos e culturais, bem expressos, aliás, na fundação da LPN, que nasce de um alerta do poeta Sebastião da Gama, aquando da destruição da mata do Solitário na Arrábida.

 

Para que uma saída de campo cumpra os seus objetivos proporcionando uma experiência e aprendizagem significativa e não se torne um “simples passeio”, o Projeto Despertar para a Natureza de acordo com o modelo proposto por Orion (1989) assenta em três etapas - antes (Fase de Preparação), durante (Saída/aula de Campo e após a saída/aula de campo (fase de Síntese) baseadas nos seguintes momentos:

  1. Fase de Preparação - Através de uma lista de possíveis trajetos da área de atuação da EPAL (patrocinadora do transporte), os professores e alunos selecionam a área de estudo para a realização da saída de campo de acordo com os seus objetivos.
  2. Fase de Preparação - Após a seleção do(s) local(is) a visitar, a LPN dá apoio para a realização da logística, fazendo-se o reconhecimento e definição do percurso/itinerário face à duração da aula/saída de campo.
  3. Fase de Preparação - Apoio à construção de um guião de campo que serve de orientação e de suporte à saída de campo e ao trabalho realizado na aula, adequando os conceitos curriculares com as paragens, com informação, bibliografia, questões e sugestões didáticas, para cada paragem dos locais a visitar.
  4. Fase de Preparação - Aula virtual com a finalidade de orientar os alunos para a saída de campo, focando nos objetivos educativos, definindo as regras de segurança e de sustentabilidade, contextualizando os locais a visitar e ajudando a romper com o impacto da novidade. Nesta fase ausculta-se também os conhecimentos prévios e experiências anteriores dos alunos para facilitar uma aprendizagem mais significativa.
  5. Fase de Preparação - Apoio à construção de um guião de campo que serve de orientação e de suporte à saída de campo e ao trabalho realizado na aula, adequando os conceitos curriculares com as paragens, com informação, bibliografia, questões e sugestões didáticas, para cada paragem dos locais a visitar.
  6. Aula/Saída de campo orientada pelo professor destacado da LPN e professores organizadores.
  7. Fase de Síntese - Realização de trabalhos e/ou exposição de atividades práticas - trabalhos de laboratório posteriores á saída que possam complementar a saída/aula de campo.
  8. Avaliação com base na observação dos alunos na saída de campo, análise das respostas dos alunos às questões colocadas no guião da saída de campo e dos trabalhos realizados na Fase de Síntese.  Administração de um questionário de avaliação sobre o projeto aos professores.

 

Após a aula virtual de enquadramento e definição dos objetivos, e em que os alunos foram convidados a instalar nas tecnologias móveis algumas aplicações de identificação de espécies e de orientação geográfica, iniciou-se a saída de campo através de um pequeno percurso pedestre circular na vertente norte da serra de Sintra, imediatamente acima do parque de merendas que circunda os Lagos de Monserrate.

 

Aí os alunos com a orientação do professor destacado na LPN – Jorge Fernandes, responderam a questões sobre o enquadramento natural da serra de Sintra, recorrendo a um guião digital em formato Googleforms e em papel previamente fornecido. O guião sa saída de campo apresentava uma série de questões com base na informação que pode ser consultada nos painéis interpretativos existentes ao longo da rota e sinalizada por setas de madeira. A utilização de painéis interpretativos não só tem um papel essencial na promoção da literacia científica, como constituem recursos para o desenvolvimento de ações de educação ambiental, contribuindo para a valorização do património natural. Para além dos painéis interpretativos, o guião referenciava a existência das esculturas ao longo do percurso efetuadas pela artista Nansi Hemming que esculpiu uma corça, um urso e dois lobos feitos em madeira de cipreste, proveniente de árvores tombadas nos temporais de 2012 e 2013, colocados em diversos locais á volta dos lagos.

 

 

 

Observação e explicação sobre a biodiversidade e geodiversidade da serra de Sintra.

 

 

Exemplo de um painel informativo na Tapada de Monserrate no percurso dos Lagos de Monserrate.

 

 

 

As esculturas dos lobos, corços e urso representam alguns exemplos de animais que habitaram a serra de Sintra durante muitos anos e representam as alterações no habitat natural, o crescimento da presença do Homem na serra e a caça que foram os principais fatores que levaram à extinção dessas espécies em Sintra.   O diálogo entre o Homem e a Natureza foi sempre uma constante em Sintra, mas a solidão da serra de Sintra era muito diferente da atual, havendo um registo da década de 1870, crudelíssimo que descreve minuciosamente como foi morto o “último lobo”.  Esse painel abriu espaço para se explicar o papel fundamental que os predadores de topo têm nos ecossistemas, como por exemplo os lobos. A sua extinção altera a dinâmica dos ecossistemas alterando as cadeias tróficas, conduzindo a uma superpopulação de herbívoros, diminuição da vegetação e impacto nos rios e curso de água.

 

Para além da fauna e flora os painéis informativos abordavam o Ciclo da Água, alertando-se para uma gestão sustentável da água, sendo que as Lagoas da Tapada acumulam a água proveniente das nascentes e minas escavadas no granito em que esta é captada e acompanha depois o curso de água para o parque de Monserrate.

 

 

Junto à escultura de dois lobos na tapada de Monserrate (espécie de fauna existente outrora na serra de Sintra).

 

 

Escultura de um lobo em madeira na Tapada de Monserrate, no percurso dos Lagos.

 

 

 

Não obstante a existência dos painéis informativos ao longo do percurso para se aceder às questões colocadas no guião, vários painéis estavam danificados, vandalizados e tombados. As causas para este problema podem ser diversas, incluindo atos de vandalismo, condições meteorológicas adversas, desgaste natural, falta de manutenção e ações involuntárias. A conservação destes painéis é crucial para a divulgação de informações relevantes sobre o patrimônio natural e cultural da Serra de Sintra, contribuindo para a educação ambiental, o usufruto consciente deste espaço e sua valorização.

 

 

 

Explicação junto a um painel informativo sobre “Floresta em Perigo – espécies invasoras”, já tombado e danificado.

 

 

Percurso da Tapada de Monserrate – pelos lagos de Monserrate.

 

 

 

Após o percurso na Tapada de Monserrate fomos rumo à praia do Magoito onde inicialmente, se fez o enquadramento da paisagem efetuado pelo professor destacado da LPN, aproveitando também a placa informativa do Parque Natural Sintra-Cascais, caraterizando-se a Geologia e alguma fauna e flora representativa da região.

 

 

Praia do Magoito – foto de grupo onde se efetuou o enquadramento inicial da região.

 

 

 

Observando-se a norte, a duna consolidada ou Paleoduna formada há cerca de 10 000 anos atrás durante um período de glaciação, quando o mar recuou cerca de 100 metros e que representa um estado de transição de areia solta para o arenito, mencionou-se também a importância do local a nível arqueológico que permitiu a sua datação com base em restos de cozinha, estruturas de lareiras, instrumentos de sílex e de cerâmica encontrados no local.

 

Após identificação e referência às espécies invasoras, como seja o Chorão - Carpobrutus edulis que já prolifera, inclusivamente, na própria paleoduna, caminhou-se para norte, passando pelo forte de Santa Maria, edificado no tempo de D. João IV para reforçar o sistema defensivo da costa e seguindo pela arriba na antiga plataforma de abrasão de São João das Lampas eram visíveis os aspetos da ação da erosão do litoral. A erosão é essencialmente resultante da ação das ondas nas arribas com famílias de descontinuidades, fraturas e desligamentos apresentando erosão diferencial resultando em queda de blocos por perda de sustentação.

 

Pelo caminho ia-se identificando o contacto com as rochas vulcânicas, falhas preenchidas por filões magmáticos e aspetos de disjunção esferoidal nas rochas testemunhando a atividade magmática resultante do Complexo Vulcânico de Lisboa, permitindo correlacionar as diversas etapas do Ciclo Geológico.

 

 

Identificação da rocha na arriba a norte da praia do Magoito com o ácido clorídrico.

 

 

 

Norte da praia do Magoito. Falha preenchida por um filão de basalto.

 

 

 

Após a paragem na praia do Magoito, indo pela Plataforma de S. João das Lampas dirigimo-nos passando pelos campos de lapiás, pelas explorações e transformação dos calcários que servem como matéria prima para revestimentos, cantarias e rochas ornamentais em direção ao Penedo do Lexim. Pelo caminho, mais próximo do nosso destino o professor destacado na LPN alertou para que os alunos observassem as várias elevações topográficas que correspondem a antigas chaminés vulcânicas magmáticas, como sejam a Oeste a dos Cartaxos, junto a Cheleiros e a nordeste Serra do Funchal e Jarmeleira pertencentes ao Complexo Vulcânicos de Lisboa-Mafra, sendo testemunhos de um importante episódio magmático ocorrido no Cretácico Superior que intruíu os calcários e margas.

 

Chegados ao Penedo do Lexim classificado como Geossítio e como Imóvel de Interesse Público, encontramos uma paz neste local que o torna diferente de outras paragens. Aqui a beleza paisagística é um lugar de encontro entre a história e a natureza, numa monumentalidade natural que fez dele um povoado fortificado com ocupação humana encontrada desde o Neolítico final (4000 a.C) e onde foram encontrados diversos artefactos humanos resultantes de atividades agro-pastoris no Calcolítico.

 

Saímos do autocarro e foi tempo de efetuarmos uma pequena caminhada numa subida por uma estrada apertada em que a Geologia e o enquadramento da flora servia de nosso combustível. Entre as veredas rodeadas de carrasco – (Quercus coccifera), Zambujeiros (Olea Olea europaea var. sylvestris) enrolados pela Salsaparrilha brava (Smilax aspera) chegámos junto à chaminé de um vulcão cuja atividade foi interrompida há milhões de anos, mas que deixou o seu vestígio, na disjunção prismática do basalto coberta de musgos e líquenes, nos solos férteis.

 

 

 

Aspeto da Disjunção prismática no Penedo do Lexim.

 

 

 

Identificação e observação da textura e dos minerais no Tefrito .

 

 

 

Enquanto, alguns alunos iam observando o tefrito (rocha similar ao basalto mas com felspatóide-nefelina em sua composição essencial) e respondiam às questões colocadas no guião da saída de campo, o professor destacado mencionava algumas ameaças ao património geológico, como por exemplo, a erosão natural, mas também a ação humana através de colheita de amostras para fins não científicos e ações de vandalismo que a exemplo de outros locais têm delapidado o património natural.

 

Por fim, quando saímos do Penedo do Lexim rumo à Escola demos por concluído esta saída de campo, uma aula na qual se destaca a importância da observação in situ de exemplos da Geodiversidade e Biodiversidade, cruzando-se com as diferentes átreas de conhecimento, que podem ilustrar e enriquecer os elementos a estudar (ou estudados) na sala de aula, facilitando a interpretação dos processos naturais e da ocupação humana no território.

 

 

Bibliografia: Orion, N. (1989) - Development of a High-School Geology Course Based on Field Trips. Journal of Geological Education; 37. 13-17.

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