Aproxima-se a decisão final sobre o Lobo na Europa

Fotografia ©Carlos Nunes

 

 

Em setembro a LPN noticiou que estava aberto o caminho para a desproteção do lobo na Europa, depois da maioria dos Estados-Membros da União Europeia (UE) aprovar a proposta da Comissão Europeia (CE) para diminuir a proteção do lobo ao abrigo da Convenção de Berna (Convenção sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais na Europa).

 

Na prática, o que está em causa é a deslocação do lobo (Canis lupus) do Apêndice II desta convenção, relativo a espécies da fauna estritamente protegidas, para o Apêndice III, relativo a espécies protegidas da fauna, cuja exploração é possível, ainda que regulamentada de forma a manter fora de perigo a existência das ditas populações.

 

O principal objetivo desta “desclassificação” é que as Partes na Convenção de Berna, incluindo a UE e os seus Estados-Membros, tenham uma maior possibilidade jurídica de implementar estratégias de gestão letais nas populações de lobos independentemente do impacto real de um lobo específico, dado que o principal problema apontado pela UE em relação a esta espécie são os ataques ao gado. O lobo tornar-se-ia assim uma espécie que poderia ser abatida sob condições estabelecidas pelas autoridades nacionais e quotas determinadas a nível nacional para manter níveis populacionais “satisfatórios”.

 

Apesar da maioria dos Estados-Membros da UE ter expresso o seu apoio a esta proposta da CE, incluindo Portugal*, a decisão final só será tomada na próxima semana, no contexto da 44ª reunião da Comissão Permanente da Convenção de Berna, que decorre de 2 a 6 de dezembro em Estrasburgo, na França.

 

A Convenção de Berna, da qual a LPN é uma organização Observadora (a única em Portugal), tem um âmbito pan-europeu, incluindo nas suas Partes Contratantes países do norte de África, cujo envolvimento é essencial para o cumprimento dos objetivos da conservação das espécies migradoras listadas nos seus anexos, e que passam uma parte do ano nesse território. Na reunião da próxima semana, todas as Partes serão auscultadas sobre esta proposta, que precisa de 2/3 de maioria para ser adotada.

 

Por toda a Europa, multiplicam-se assim apelos e cartas abertas dirigidas ao Secretariado-Geral da Convenção de Berna, ao Secretariado-Geral do Conselho da Europa, à Provedora de Justiça da UE e aos países que constituem as Partes Contratantes a desmentir os argumentos apresentados pela CE para fundamentar esta proposta, pedindo a sua rejeição.

 

Quais são os argumentos apresentados pela UE e porque é que eles não fazem qualquer sentido para justificação desta proposta?

  • A UE argumenta que as populações de lobos atingiram níveis satisfatórios, justificando a transferência da espécie do Apêndice II para o Apêndice III. No entanto, os dados mostram que a maioria das populações na UE ainda não alcançou um estatuto de conservação favorável. Apenas três das nove subpopulações foram classificadas como “Pouco Preocupante” pela IUCN, enquanto as demais permanecem “Quase Ameaçadas” ou “Vulneráveis”. A situação exige monitorização rigorosa e metodologias harmonizadas antes de qualquer mudança no estatuto de proteção, para evitar riscos adicionais à biodiversidade.
  • A UE argumenta que os lobos permanecerão adequadamente protegidos mesmo com a redução do estatuto de proteção. Contudo, estudos indicam que o aumento de abates legais pode incentivar práticas de furtivismo e dificultar a identificação e punição de crimes ambientais. Um estatuto de proteção menor e a flexibilidade no controlo letal, pode fazer com que os pastores não sejam incentivados a implementar medidas preventivas. Além disso, a fragmentação e a redução de habitat e a hibridação representam ameaças que reforçam a necessidade de proteção rigorosa, dado o papel ecológico crucial do lobo nos ecossistemas.
  • Por fim, a UE defende que a flexibilidade a trazer por esta alteração ajudará a lidar com desafios socioeconómicos, como a proteção do gado. Acontece que já existe a possibilidade de derrogações ao abrigo do (atual) estatuto de proteção estrita que já oferecem flexibilidade, em particular para abater indivíduos específicos que causam danos significativos, conforme previsto no artigo 9.º da Convenção de Berna. Sendo que estudos revelam que a utilização destas derrogações não demonstra uma redução dos ataques ao gado em zonas onde os lobos são mortos e, em alguns casos, pode aumentá-los devido à desestruturação das alcateias. Medidas preventivas, como cercas elétricas e cães de guarda, têm demonstrado eficácia e devem ser ampliadas com os recursos já disponíveis na UE. A análise destaca que o impacto dos lobos no gado é mínimo em termos percentuais, enquanto a diminuição do estatuto de proteção pode causar danos ecológicos desproporcionais.

 

A proposta da UE não se suporta em evidências científicas. É sobejamente conhecido que as motivações por trás desta proposta são meramente políticas. Como tal, as associações de defesa do ambiente como a LPN e a comunidade científica internacional mostram-se veemente contra ela!

 

Aceitar esta alteração ao abrigo da Convenção de Berna estabeleceria um precedente preocupante, contradizendo as suas próprias disposições e enfraquecendo a tomada de decisões democráticas fundamentada na ciência, nos interesses dos cidadãos e numa análise aprofundada de custos e benefícios.

 

O trabalho desenvolvido em Portugal por associações de defesa do ambiente como o Grupo Lobo é um exemplo de que o caminho para a preservação do lobo na Europa precisa passar por soluções de longo prazo, investindo em medidas preventivas, que permitam a coexistência.

 

A LPN espera que na reunião da próxima semana a decisão final seja de rejeição desta proposta.

 

A proposta será debatida no dia 3 de dezembro, mas o resultado só deverá ser conhecido no dia 6 de dezembro, quando termina o encontro.

 

 

Fotografia ©Carlos Nunes

 

 

* Em Portugal, apesar dos apelos feitos pelas associações de defesa do ambiente nacionais, em setembro de 2024 a Ministra do Ambiente e Energia aceitou “por solidariedade” a proposta que vinha de Bruxelas para que o estatuto do lobo fosse rebaixado ao nível Europeu. Apesar de ter publicamente garantido não reduzir a proteção desta espécie em território nacional, o seu voto de apoio à proposta da CE revelar-se-ia importante para que a mesma seguisse em frente, mesmo não se suportando em evidências científicas.

 

 

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