A chamada Semana da Biodiversidade está a ser rica em metas e objetivos de proteção da Natureza e recuperação sustentável da economia.
Em poucos dias, ao anúncio dos 20 mil milhões anuais que a Comissão Europeia pretende destinar à proteção da biodiversidade e à transição para uma agricultura mais sustentável, somou-se os 4,5 mil milhões de euros que o Ministério do Ambiente tem por objetivo angariar, de fontes públicas e privadas, para que o ambiente tenha um papel determinante na recuperação económica do país.
Depois de apresentar o Pacto Verde Europeu no final de 2019, a Comissão Europeia vem reforçar e detalhar a sua determinação em liderar a corrida do combate às alterações climáticas e à perda da biodiversidade, ambas críticas e intrinsecamente associadas.
As novas Estratégias para a Biodiversidade e “Do Prado ao Prato” (Farm to Fork) vêm alertar para os impactos generalizados (ambientais, económicos, sanitários e sociais) da perda de biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas, bem como para a necessidade de os invertermos na fase de recuperação pós-COVID. Para a biodiversidade, prevê-se:
A Comissão Europeia estima que metade do Produto Interno Bruto mundial, cerca de 40 milhões de biliões de euros – um valor tão elevado que se torna incompreensível – dependa da Natureza. A ordem de grandeza dos números não facilita a sua compreensão, mas não deixa margem para dúvida da importância das medidas agora apresentadas e dos custos anuais da inação:
A criação de emprego está também patente. Na Europa, a Rede Natura 2000 suporta mais de 170 mil empregos diretos e indiretos na gestão das áreas protegidas. As novas metas de investimento apontam para a criação de até 500 mil novos postos de trabalho. Na agricultura, 1,3 milhões de postos de trabalho estão associados direta ou indiretamente à Rede Natura 2000, e 3,1 milhões ao turismo em áreas protegidas. Em Portugal, segundo os dados de 2019 do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, registaram-se mais de 400 mil visitantes nas áreas protegidas de todo o país. O Turismo de Natureza, quando certificado, bem gerido e aplicado, é também um fator potenciador do desenvolvimento das populações que habitam nas áreas protegidas e circundantes.
Já a Estratégia “Do Prado ao Prato”, embora vise a transição da agricultura para um modelo mais sustentável, foi alvo de algumas críticas por parte do European Environmental Bureau, uma rede europeia com mais de uma centena de organizações não-governamentais de ambiente (ONGA), da qual fazem parte quatro portuguesas, incluindo a LPN. O objetivo da estratégia é naturalmente visto como sendo positivo, a falta de metas concretas na implementação dos princípios da agroecologia, a falta de ambição na gestão dos nutrientes, os fracos compromissos ao nível da pesca e aquacultura (sobretudo quando comparados com a Estratégia para a Biodiversidade), a falta de estímulo à reconhecida necessidade de serem alterados os padrões alimentares, e o apoio na proposta de reforma à “defeituosa” Política Agrícola Comum são alguns dos fatores referidos.
As últimas estratégias lançadas em contexto nacional encontram-se, contudo, mais centradas na meta da neutralidade carbónica em 2050 e na gestão florestal para a prevenção de incêndios. Os recém-aprovados Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC30), Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) e Programa de Transformação da Paisagem (PTP) são reflexo disso mesmo.
O PNEC30, com 58 linhas de ação e 206 medidas, encontra-se assente na redução das emissões de gases com efeito de estufa e na transição para energias mais limpas, com os destaques a irem para o hidrogénio, para o encerramento das centrais do Pego no próximo ano e de Sines até 2023, e para a aposta na mobilidade elétrica.
Já o PNGIFR e o PTP destinam-se a aumentar a capacidade de resiliência a incêndios. O PTP tem inclusivamente como objetivo a promoção de “uma floresta multifuncional, biodiversa e mais rentável, com mais capacidade de sequestro de carbono e capaz de produzir e consumir melhores serviços a partir dos ecossistemas" pelo que, sendo bem implementado, poderá trazer benefícios para a conservação da Natureza. Esta é a única ligação à conservação da Natureza passível de ser estabelecida com as medidas recentemente anunciadas.
A implementação da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030, praticamente desconhecida na esfera civil, não evitou o incumprimento das obrigações do Estado português em matéria legislação europeia em pelo menos 14 Zonas de Proteção Especial para as Aves no Alentejo, no ano passado. Este e outros motivos levaram cinco ONGA portuguesas (ANP/WWF, FAPAS, GEOTA, SPEA e LPN) a pedir mais empenho e investimento na conservação da Natureza e ordenamento do território. A alocação de apenas 2% dos mais de 400 milhões de euros do Fundo Ambiental à conservação da Natureza, o inadequado apoio a culturas de regadio e intensivas e a falta de gestão das áreas protegidas foram alguns dos aspetos referidos. Recentemente, a oposição à construção do Aeroporto do Montijo, às dragagens no rRio Sado e à exploração de lítio em áreas classificadas vieram demonstrar que alguns interesses ainda se sobrepõem ao ambiente. Em meio marinho, estão a ser preparadas as novas diretrizes da Estratégia Nacional para o Mar 2020-2030.
De um modo geral, as ambições apresentadas são, tendencialmente, muito positivas, pelo que esperemos que as estratégias, planos e programas sejam efetivamente traduzidos em ações práticas e melhorias palpáveis, e que se concretizem a nível nacional, europeu e mundial. Será importante enraizar o mote lançado pelas Nações Unidas para o Dia Internacional da Biodiversidade 2020: “As nossas soluções estão na Natureza”. Para que essas soluções não desapareçam definitivamente, estas estratégias – e a forma como são interpretadas e implementadas – terão de assegurar a recuperação do que já foi perdido e a preservação do que ainda não perdemos.
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