Avaliação Estratégica do Aeroporto de Lisboa: nos Fatores Críticos de Decisão que estiveram em consulta pública, dimensões ambientais têm de ser decisivas

 

Terminou na passada sexta-feira, dia 4 de agosto, a consulta pública sobre os Fatores Críticos de Decisão, no âmbito da Avaliação Ambiental Estratégica da solução aeroportuária para Lisboa. As nove organizações não governamentais de ambiente (ONGA) que contestam judicialmente a Declaração de Impacte Ambiental do aeroporto do Montijo e respetivas acessibilidades, participaram através de um extenso parecer. Embora satisfeitas com o processo até à data e valorizando o trabalho realizado pela Comissão Técnica Independente, bem como a transparência que tem existido, as organizações signatárias temem que a desvalorização de certos Fatores Críticos de Decisão e a inexistência de “linhas vermelhas” prejudiquem o processo para encontrar a melhor solução.

 

A Comissão Técnica Independente (CTI), nomeada pelo Governo para realizar a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) da solução aeroportuária para Lisboa, concluiu a semana passada a segunda fase do processo, com o encerramento da consulta pública sobre os Fatores Críticos de Decisão. As ONGA valorizam o trabalho realizado até ao momento pela CTI e a abertura demonstrada na definição desses fatores.

 

Existem, no entanto, algumas preocupações relativas aos critérios que vão ser usados para comparar as nove soluções que se revelaram viáveis depois de aplicados os 10 critérios utilizados para validarem as 17 soluções sugeridas no âmbito da primeira fase da AAE.

 

Proposta de três novos Fatores Críticos

A primeira preocupação centra-se no risco que vemos de não serem respeitados valores ambientais essenciais e protegidos, uma vez que dos cinco Fatores Críticos para a Decisão (FCD) definidos pela CTI apenas um trata especificamente das questões ambientais, enquanto dois lidam com questões económico-financeiras, o que eventualmente induz uma distorção que não nos parece aceitável e pode pôr em causa a natureza ambiental da Avaliação Estratégica a produzir. Para reduzir este risco, as ONGA propõem que o FCD 3 ‘Saúde Humana e Viabilidade Ambiental’ seja decomposto em três FCD, passando a ser um total de sete, designadamente:

 

  • FCD #3 - Saúde humana
  • FCD #6 - Biodiversidade e sistemas ecológicos
  • FCD #7 - Recursos Naturais

 

Ausência de Limiares de Exclusão

A segunda preocupação decorre da ausência de Limiares de Exclusão, que não foram aplicados a todas as opções na fase anterior, especificamente aquelas que foram definidas na Resolução do Conselho de Ministros (RCM). Sem Limiares de Exclusão para alguns indicadores, será possível por exemplo que soluções que violem legislação nacional e/ou comunitária ao gerarem impactos de elevada magnitude, de forma permanente e irreversível e que não podem ser minimizáveis ou compensáveis, possam ser selecionadas como as mais adequadas. Num horizonte de 50 anos, os aspetos económico-financeiros são mais passíveis de uma gestão adequada, ao contrário dos impactos muito significativos sobre a saúde humana e ecossistemas frágeis que se acumularão por décadas sem reparação possível. Por isso julgamos crucial a existência das seguintes “linhas vermelhas”:

 

  1. Implantação do aeroporto e/ou de infraestruturas de acesso em violação do Regulamento Geral do Ruído em áreas urbanas consolidadas (LE1);
  2. Implantação do aeroporto e/ou de infraestruturas de acesso ou de apoio em área de Rede Natura 2000, que decorre de legislação nacional e europeia (LE2);
  3. Implantação de aeroporto em área que implique o sobrevoo de Zonas de Proteção Especial (Rede Natura 2000) a altitudes inferiores a mil pés (LE3);
  4. Implantação do aeroporto e/ou de infraestruturas de acesso ou de apoio a cotas inferiores a 10 m em áreas costeiras e estuarinas (LE4).

 

Acessibilidades adicionais e redes de suporte têm que ser avaliadas

Para muitos dos indicadores propostos é essencial que sejam estudados os efeitos, não apenas da construção e operação do aeroporto em si, mas também das infraestruturas criadas essencialmente para servir o novo aeroporto: acessos, energia, saneamento, outros serviços de apoio e novas atividades associadas ao aeroporto. Esta questão é especialmente crítica em matéria de população afetada, áreas a expropriar, alteração dos usos do solo, biodiversidade, sistemas ecológicos e outros recursos naturais afetados, áreas sujeitas a riscos ambientais, custos económicos e financeiros.

 

Os impactos ambientais não são todos iguais e os indicadores também não devem ter todos a mesma relevância

Por último, sugerimos fortemente que os diferentes indicadores que informam os critérios de avaliação, e por fim os fatores críticos para a decisão, possam ter pesos diferenciados em função da sua relevância, devendo ser especialmente valorizados no procedimento de agregação os indicadores com desempenhos criticamente negativos. A título de exemplo:

  • Não nos parece possível equiparar a afetação de uma área de Rede Natura 2000 (ZEC e ZPE) à afetação de uma área sem nenhum estatuto de proteção, embora possa acolher uma espécie com algum tipo de proteção legal, mas que pode ser facilmente minimizável ou compensável;
  • Para medir a proximidade do aeroporto, o tempo de viagem e a distância percorrida em automóvel têm que ter um peso muito inferior ao tempo de viagem e distância percorrida em transporte público ferroviário, dadas as profundas transformações que o atual modelo de mobilidade terá que sofrer face à crise climática, ecológica e de recursos minerais críticos. Pelo mesmo motivo, devem ser privilegiadas soluções que facilitem a integração do NAL na Rede Trans-Europeia de Transportes (RTE-T)

 

O curto prazo não pode comprometer o presente e o futuro

Tendo em conta que uma nova solução precisará, no mínimo, de sete anos para estar operacional é necessário dar atenção suficiente, no curto prazo, a soluções para reduzir a carga e os impactes da Portela. Além de dever ser estudada em profundidade a complementaridade ferrovia-aeroportos e a utilização da ferrovia com o uso complementar dos aeroportos já existentes, é essencial:

  • Que nenhuma solução de curto prazo possa comprometer nem o presente, nem uma solução duradoura com futuro (como seria claramente o caso se fosse adotada uma solução temporária que passasse pela utilização civil da Base Aérea do Montijo;
  • A adoção a curto prazo de medidas para reduzir a poluição sonora a que centenas de milhares de pessoas são hoje sujeitas e estabilizar a pressão que o turismo de massas exerce hoje sobre a sectores como os transportes e a habitação.

 

Por fim, gostaríamos de voltar a rejeitar fortemente a pressão política para que o processo da AAE seja excessivamente rápido. Na opinião destas ONGA, mais do que rápido, o processo para avaliar a solução aeroportuária para Lisboa tem que ser feito com rigor e fundamento técnico, abrangência e participação pública. Só assim, chegaremos a uma solução idónea e à prova de qualquer crítica. Acreditamos que o Governo é o principal interessado em que esta CTI tenha todas as condições humanas e técnicas para realizar um trabalho que fundamente uma decisão definitiva para a solução aeroportuária em Lisboa.

 

 

Organizações subscritoras:

ALMARGEM, Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve

ANP|WWF – Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF

A ROCHA - Associação Cristã de Estudos e Defesa do Ambiente

FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade

GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente

LPN – Liga para a Protecção da Natureza

Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo Das Aves

ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável

 

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