No início de junho, a LPN organizou mais uma ação de formação viajando no tempo e no espaço, a um recanto a cerca de 10 km de Peniche – as Berlengas, que representam o último vestígio da colisão de supercontinentes antigos – a Laurásia e a Gondwana. e o limite oeste da Bacia Lusitanica. Na fronteira ocidental da Europa, este planalto relativamente arredondado. constitui um repositório único de diversidade genética, de espécies e de habitats, bem como para a conservação da diversidade biológica (flora e fauna terrestre e marinha).
Partindo do Cais da Marina de Peniche na embarcação Avelar Pessoa, com o acesso e pressupostos legais garantidos, com tempo favorável, fomos à descoberta desta “biofortaleza planáltica do Atlântico”, enfrentando as ondas, numa viagem em mar aberto que por vezes é atribulada, mas cheia de aventura.
Passados vinte minutos, começámos a avistar através das águas cristalinas, as ilhas graníticas do Maciço Antigo, que dada a sua importância para a proteção da fauna e flora, são classificadas como Reserva Natural, Reserva Biogenética, Zona de Proteção Especial, Sítio de Interesse Comunitário, para além do seu enorme valor Geológico e interessante património arqueológico subaquático. Sendo um hotspot da Biodiversidade, mais recentemente, em 2011, o arquipélago foi considerado como Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO e em 2012 foram alargados os limites da Zona de Proteção Especial das Berlengas.
Ao chegarmos à enseada das Berlengas, esperava-nos o Vigilante da Natureza do ICNF, que nos descreveu de um modo geral, a importância da Ilha e iniciámos o nosso percurso pedestre, orientados pelo formador Francisco Félix, natural de Peniche e apaixonado pela Geologia da Terra onde nasceu e trabalha, como professor do ensino secundário e que tem contribuído para o estudo daquele território.
Fotografia do lado esquerdo: Apresentação dos formadores e dinamizadores, Jorge Fernandes (LPN) e Francisco Félix e informações sobre a Reserva Natural das Berlengas, pelo vigilante da Natureza (ICNF) na ilha. Fotografia do lado direito: Francisco Félix explicando a Geologia das Berlengas.
Francisco Félix descrevia-nos a Geologia do arquipélago mencionando que se podia dividir em dois grupos: Um grupo constituído pele ilha das Berlengas e Estelas, formadas por rochas magmáticas, intrusivas (granitos), e outro pelo grupo dos Farilhões constituído por rochas metamórficas – gnaisses e migmatitos.
Segundo a descrição da Geologia do ICNF, o arquipélago das Berlengas constitui um verdadeiro monumento geológico, registo importante da história da Terra e da formação dos continentes e oceanos. Constituindo um verdadeiro laboratório de Geologia, representa o último vestígio do “horst” das Berlengas, formação integrada na Cadeia Varisca, originada durante o Devónico e o Carbónico (Era Paleozóica), como resultado da colisão dos supercontinentes Gondwana e Laurásia. Em consequência da geodinâmica que lhe deu origem, as ilhas e ilhéus apresentam um relevo escarpado onde são comuns a formação de grutas, fendas terrestres e submarinas. A sua comparação com as litologias aflorantes noutros locais, poderá contribuir para a interpretação da tectónica de placas na Era Mesozóica.
Nas Berlengas, inúmeras aves marinhas fazem o seu ponto de paragem ao longo das suas rotas migratórias e à medida que caminhávamos pelos trilhos do planalto, éramos abordados pelas gaivotas.
Na ilha nidificam duas espécies de gaivotas, a gaivota-de-asa-escura – (Larus fuscus) e a gaivota -de patas-amarelas (Larus michahellis). No final do séc.XX, houve um aumento exponencial da população da gaivota-de-patas-amarelas, devido às excelentes condições de nidificação que as Berlengas proporcionam causando grave desequilíbrio no ecossistema da ilha da Berlenga. A partir de 1994 o ICNF desenvolveu um programa de controlo populacional, estando o efetivo nos níveis pré-crescimento desde 2019/2020, com o objetivo de combater a degradação do ecossistema das Berlengas.
As Berlengas têm diversas grutas, acessíveis pelo mar, algumas delas envoltas em histórias fabulosas e lendas, e provavelmente tendo sido utilizadas em algum momento da história por humanos.
Francisco Félix mencionou que a gruta de maiores dimensões é a do Furado Grande, associada a uma zona de fraturação, que atravessa completamente a Berlenga, tendo um túnel de 70 metros com uma altura de 20 metros. Outras geoformas interessantes consistem em cavidades, grutas, arcos e pontes naturais que se desenvolveram nas arribas da ilha da Berlenga, como por exemplo a Cova do Sono, a Cabeça do Elefante, a Gruta Azul.
Com uma vegetação única e singular em termos de diversidade florística, nas Berlengas destacam-se três plantas endémicas: arméria-das-berlengas (Armeria berlengensis), herniária-das-berlengas (Herniaria berlengiana) e pulicária-das-berlengas (Pulicaria microcephala), que se adaptaram às características de salinidade e exposição ao vento
Segundo o ICNF, a Berlenga Grande tem inventariadas cerca de uma centena de espécies de porte herbáceo e arbustivo.
Destacam-se ainda duas espécies endémicas do litoral ibérico, nomeadamente, Echium rosulatum e Scrophularia sublyrata, bem como uma espécie endémica do litoral galego e português, Angelica pachycarpa.
Algumas das ameaças à sobrevivência destas espécies nativas são a introdução de espécies invasoras como por exemplo a do chorão – Carpobrotus edulis aí ocorrida para proteção das arribas e o pisoteio provocado pelos visitantes, pelo que íamos percorrendo sempre o nosso caminho pelos trilhos previamente estabelecidos.
Entretanto algumas criaturas que costumam ser fugidias, aqui eram curiosas e aproximavam-se de nós, é o caso da Lagartixa das Berlengas – Podarcis carbonelli berlegensis, comum e abundante na ilha e uma subespécie da lagartixa-de-Carbonell que se distingue pelo seu maior tamanho (particularmente dos machos) e por ser mais escura no ventre.
Vendo quando se olha, conhecendo e compreendendo os processos, íamos percorrendo o trilho no cimo do planalto, envolvendo os nossos sentidos até que avistámos um local cheio de história - o Forte de São João Baptista. A embarcação Cabo Avelar Pessoa que nos trouxe à ilha relembrou-nos o contexto heróico de defesa da Ilha, em 1666, onde uma pequena guarnição de pouco mais de vinte soldados comandada pelo cabo António Avelar Pessoa se defrontou com uma esquadra espanhola integrada por quinze embarcações que intentou a conquista do forte.
Descendo as escadas de acesso ao Forte de São João Baptista e chegados ao seu cais, havia de se voltar atrás e subir novamente a escadaria. Embora ainda com energia, os participantes acharam melhor efetuar um trajeto de barco ao redor da ilha, pelas grutas e depois regressar diretamente ao local de embarque para Peniche. Após contacto do nosso formador Francisco Félix, com o mestre de uma embarcação embarcámos numa nova aventura visitando a ia Gruta Azul, a Gruta do Furado, passando pela Tromba do Elefante, Cova do Sono com acompanhamento e explicações do mestre da embarcação e do nosso formador.
A cor da água, transportava-nos para uma outra dimensão. Navegando rodeados de uma vida marinha riquíssima, observávamos imensos peixes (sargos, bodiões, polvos). Talvez na proximidade estivessem restos de navios afundados, como por exemplo, o Primavera, um cargueiro que se incendiou quando transportava mármore siciliano. Observando as diferentes geoformas condicionadas algumas pela existência de falhas tectónicas, entrámos pela Gruta Azul. Aí somos recebidos por um espetáculo resultante da luz do Sol, dos reflexos de diferentes cores proporcionadas pelas rochas e fauna marinha de Entre-Marés, em que a combinação de todos esses elementos cria uma atmosfera única, que faz com que nos sintamos como se estivéssemos flutuando no céu.
No regresso, já junto à extremidade mais ocidental da Península de Peniche, junto aos fantásticos campos de lapiás do Cabo Carvoeiro, numa paisagem dominada por uma sucessão de calcários e rochas afins do Jurássico, uma população de Galhetas ou Corvos-marinhos de Crista (Phalacrocorax aristotelis), observavam o nosso trajeto, poisados no Leixão da Nau dos Corvos (um rochedo icónico que deve o seu nome à semelhança com uma nau de velas viradas para o mar em direção às Berlengas).
Em Portugal, é uma espécie pouco abundante. Em 2002, a sua população foi estimada em cerca de 100 a 150 casais nidificantes distribuindo-se ao longo da costa rochosa ocidental do cabo Carvoeiro para sul. Grande parte da população nacional costuma concentrar-se no arquipélago das Berlengas, e embora seja habitual concentrarem-se no Leixão da Nau dos Corvos, naquele dia resolveram “arrendar” mais espaço nas falésias junto do Cabo Carvoeiro.
Por fim, o convite para irmos a um restaurante e comermos uma caldeirada de peixe e pratos afins no litoral de Peniche, é um argumento praticamente irrecusável. Depois de um dia de Geologia e Biologia a gastronomia estará sempre ligada a essas temáticas, mas Peniche e as Berlengas não são só atualmente conhecidos pelos seus pratos, surf e a sua tradição marítima. O seu litoral apresenta-nos um grandioso património natural e cultural com elevado valor científico, educativo, paisagístico e geoturístico.
São várias as ameaças aos habitats naturais nas Berlengas, como por exemplo os efeitos do turismo sobre as espécies e habitats naturais, da introdução de espécies invasoras e das alterações climáticas. Com elevado interesse didático, a divulgação do património do Litoral de Peniche, do arquipélago das Berlengas, aliados ao conhecimento científico e governança participativa são cruciais para a sua conservação e valorização e para um desenvolvimento sustentável. Foram esses os objetivos desta ação de formação nas Berlengas da LPN, num local onde se busca o equilíbrio entre o Homem e a Natureza, e no qual os professores e os cidadãos têm um papel essencial.
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