Caminhando entre o Tejo e o Sado num tesouro de geodiversidade e biodiversidade

Ao observarmos os fósseis de ostraídeos junto ao vértice geodésico do Alto da Queimada, na serra do Louro, tornamo-nos detectives dos ambientes geológicos passados. Ao desvendarmos os eventos tectónicos que moldaram a zona mais setentrional da serra da Arrábida, na confluência entre o Tejo e o Sado que em tempos geológicos recuados estiveram unidos, possibilita-nos perceber a ligação das atividades humanas com os recursos naturais. O seu enquadramento geográfico junto aos estuários, a sua diversidade de paisagens, a sua fauna e os solos férteis do vale de Barris, possibilitaram uma ocupação humana desde a Idade do Cobre. Caminhar junto ao castro de Chibanes e à Alcaria do Alto da Queimada transporta-nos para ambientes passados, para diferentes civilizações que aqui viveram, bem como nos traz à nossa lembrança o som das velas trespassadas pelo vento dos moinhos, vigilantes atentos e testemunhos do tempo e da história. A interligação entre o mundo mais natural e a história que esta caminhada proporcionou dá-nos razões para descobrir e proteger cada vez mais este mundo maravilhoso!

 

A serra do Louro – rota dos moinhos, no Parque Natural da Arrábida, em Palmela, foi o itinerário escolhido para um domingo de manhã numa atividade da LPN inserida nas Jornadas Europeias do Património 2018 com o apoio do MAEDS – Museu Arqueológico do distrito de Setúbal e da botânica Carmo Silva. Já na semana anterior, durante a fase de preparação da saída, o professor Jorge Fernandes da LPN tinha reparado o trabalho dos técnicos do MAEDS (drª Susana Duarte) que cuidavam de recuperar e valorizar no meio de temperaturas elevadas os vestígios das fortificações e povoados cheios de história do Castro de Chibanes.  Também ao caminharmos encontrámos o senhor Pedro Lima que nos iria na semana do percurso abrir as portas de um dos moinhos de vento que constaram no percurso possibilitando aos participantes na nossa caminhada observar as engrenagens que marcam a história de produção dos cereais na região.

 

E no fim do mês mais quente em Portugal desde que há registos, segundo o Instituo Português do Mar e Atmosfera, iniciámos a nossa caminhada no extremo NE dos relevos que constituem a serra da Arrábida.

 

Numa rota recheada de valores naturais e culturais começámos a nossa saída efetuando-se um enquadramento geográfico e geológico pelo professor destacado na LPN logo num afloramento com fósseis marinhos documentando a presença de sedimentação das rochas em ambiente marinho e indicando que no Miocénico a região teve submersa devido às variações do nível do Mar e acontecimentos tectónicos.

 

Naquele local, a Norte observa-se os terrenos de areias e argilas do sinclinal de Albufeira, o estuário do Tejo, a pene-aplanação do Pinhal Novo, a sul, os anticlinais da serra de S. Luís, dos Gaiteiros e da serra mãe da Arrábida e a leste a estrutura de colapso gravítico de Palmela – a     Escama de Palmela (Kullberg,M; Kulberg, J e Terrinha, P., 2000). Tudo isto moldou a paisagem deslumbrante e multifacetada que decorria da caminhada junto a exemplos representativos da flora mediterrânica que a nossa dinamizadora Carmo Silva progressivamente ia revelando aos participantes.

 

Não estávamos na época das orquídeas silvestres que naquela zona se evidenciam com grande diversidade, mas íamos percebendo como naquele local abundavam plantas com aplicações medicinais e aromáticas e mesmo espécies representativas antes das glaciações como os dragoeiros ou os cardos como o Cyanara cardunculus que é utilizado como coagulante vegetal no fabrico do famoso queijo de Azeitão.

 

 

Subindo o trilho da rota dos moinhos e após termos visitado um dos moinhos de vento com a explicação do sr. José Lima caminhando pela cumeada encontrámos a parte mais oriental do Castro de Chibanes. Aí a drª Susana Duarte do MAEDS explicou-nos no extenso domínio visual a norte sobre o estuário do Tejo, a sul sobre o Sado e com a vertente abrupta para o Vale de Barris a importância arqueológica deste local de história da ocupação humana que remonta ao calcolítico e Bronze antigo (5000 e 3700 a.C). Mais tarde foi ocupado na idade do Ferro (séc. II-II a. C)e período romano- republicano (secs. II-I a.C). Na verdade, a localização estratégica no cume da serra do Louro com aquele horizonte visual constituía um local propício para se terem instalado povoados e fortificações. O seu estudo permite compreender melhor as relações comerciais e consequentes alterações sociais ao longo de vários milénios no território hoje português com o norte da europa e o mediterrâneo.

 

 

 

Simultaneamente alguns dos participantes tinham sido convidados para efetuar representações através de desenhos das emoções e símbolos que emergiam e se sentiam naquele local.

 

 

Continuando a caminhar pela vegetação dominante do Carrasco - Quercus coccifera que aqui atinge dimensões também importantes, um pouco mais em cima, encontramos outro sítio arqueológico importante. Trata-se do sítio rural islâmico do Alto da Alcaria que evidencia uma continuidade de povoamento desde o tempo dos romanos devido à fertilidade e condições de localização e defesa.
E rumo ao ponto mais alto que constituía o nosso destino final chegámos ao Marco geodésico com a altitude de 224 metros, onde nos esperava um segredo. Deparamo-nos com um banco de ostraídeos num flanco de uma vertente inclinada sobre o vale dos Barris, avistando, a sul, a serra dos Gaiteiros e a serra de São Luís. Testemunhos de um ambiente estuarino, salobro, de baixa profundidade na Bacia do Baixo Tejo e que é observado num dos pontos mais alto da serra do Louro.  

 

Legenda: Ostraídeos

 

E mais uma página foi escrita revelada por este reino natural maravilhoso. Que mais mensagens ele nos pode dar?
Talvez a mensagem que o processo de descoberta, nos desperta para um novo olhar assente num conhecimento integrado entre o património natural e cultural. E que essa travessia de conhecimento, de convívio e de riqueza emocional assente numa ética de participação, nos pode tornar mais felizes, e com essa felicidade construir-se um mundo melhor, um mundo mais sustentável…

 

 

 

 

 

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