Cria da nova colónia de abutre-preto já marcada com emissor GPS

A descoberta de uma nova colónia

Era um dia normal de trabalhos de monitorização de águia-real (Aquila chrysaetos), no calor do Alentejo. Na Herdade do Monte da Ribeira, concelho da Vidigueira, Nuno Ventinhas deteta uma mancha escura no cimo de um pinheiro-manso (Pinus pinea), surpreendido e ao mesmo tempo duvidando do que estava a ver. De imediato, partilha a informação e as imagens possíveis com o colega Carlos Carrapato, que reporta a boa nova à equipa do projeto LIFE Aegypius Return.

 

Estava confirmada a quinta colónia de abutre-preto (Aegypius monachus) em Portugal!

 

Nuno Ventinhas é técnico do Centro de Estudos de Migrações e Proteção de Aves (CEMPA), do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), e colabora regularmente com a Delegação Regional do ICNF do Alentejo, onde Carlos Carrapato integra o Departamento Regional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Apesar das muitas colaborações em trabalhos de monitorização da biodiversidade, certamente não esperavam esta descoberta, ou, pelo menos, que se desse tão cedo naquela região.

 

A importância da descoberta justificou uma pronta nova visita, reforçada com uma equipa de técnicos do ICNF, e formalizada por uma reunião com os proprietários da herdade. As novas prospeções resultaram na confirmação de quatro ninhos de abutre-preto, um deles com cria − a “mancha” observada na saída de campo anterior.

 

©Carlos Carrapato/ICNF

 

 

 

A ciência aliada à conservação

O abutre-preto, ave necrófaga com estatuto Em Perigo de extinção, em Portugal, extinguiu-se no nosso país na década de 1970, como espécie reprodutora. Graças a esforços de conservação e a medidas legais, a espécie começou a recuperar em Espanha e recolonizou naturalmente Portugal em 2010, com os primeiros casais reprodutores a instalar-se  no Parque Natural do Tejo Internacional. Desde então, mais casais começaram a nidificar em diferentes regiões, e, até ao momento, conheciam-se quatro colónias reprodutoras em Portugal (Douro Internacional, Serra da Malcata, Tejo Internacional e Herdade da Contenda, no concelho de Moura). Todas estas colónias estão localizadas muito perto da fronteira com Espanha, sendo a quinta e nova colónia a que se situa mais para oeste.

 

A nova colónia é, assim, a mais ocidental de toda a área global de ocorrência da espécie.

 

As imagens captadas pelo ICNF permitiram estimar a idade da única cria detetada nesta nova colónia, informação fundamental para os próximos passos. Uma equipa restrita, constituída por técnicos do ICNF, da LPN (Liga para a Protecção da Natureza, parceira do LIFE Aegypius Return) e pelo biólogo Carlos Pacheco, procedeu então à captura e marcação da cria, assim que esta atingiu a idade (e tamanho) adequada para receber um emissor GPS/GSM. Este dispositivo permitirá agora um detalhado seguimento de todos os movimentos e comportamentos, pela equipa LIFE Aegypius Return. A marcação consiste também na colocação de anilhas numeradas, que funcionam como o bilhete de identidade para aquela ave, fornecendo informações relevantes sempre que houver uma nova eventual captura ou observação em proximidade.

 

 

 

 

À esquerda: Carlos Pacheco escala um pinheiro-manso para aceder ao ninho de abutre-preto. Em cima à direita: A cria de abutre-preto equipada com um transmissor GPS/GSM. Em baixo à direita: A equipa de marcação. ©LPN

 

 

 

Os trabalhos de campo incluíram ainda a recolha de amostras biológicas, pelo médico-veterinário da LPN, David Delgado Rodríguez, que garante a aplicação de um protocolo uniformizado em todas as marcações do projeto. Assim, recolhem-se dados comparáveis que resultarão em informação científica de referência, com parâmetros bioquímicos, toxicológicos, entre outros, que sustentarão ações de mitigação de ameaças e conservação da espécie no geral, e a recuperação de indivíduos debilitados que ingressem em centros de recuperação para a fauna.

 

Aplicação do protocolo médico-veterinário durante a marcação de crias de abutre-preto. ©SPEA e LPN

 

 

Cooperar para resgatar uma espécie da extinção

Depois de quatro décadas sem reprodução de abutre-preto no nosso país, em 2022 conheciam-se cerca de 40 casais reprodutores em Portugal, e esta fragilidade levou à aprovação do projeto LIFE Aegypius Return, que conta com um orçamento de 3.7 milhões de euros, cofinanciados em 75% pela União Europeia. O projeto pretende consolidar o regresso do abutre-preto a Portugal e ao oeste de Espanha, e um dos seus objetivos era duplicar a população reprodutora em Portugal, passando dos 40 casais em 4 colónias conhecidos em 2022 para pelo menos 80 casais em 5 colónias, até 2027 – o que foi então concretizado na presente época de reprodução. Além da descoberta da quinta colónia, os parceiros e entidades que colaboram na monitorização da espécie em todo país registaram um aumento do número de casais nidificantes face ao ano passado.

 

Apesar destes resultados muito animadores, os parceiros de projeto não baixam os braços, pois será necessário garantir que a espécie tem condições de permanência, a longo termo, no nosso país. Para tal, é necessário garantir um bom sucesso reprodutor, habitat de qualidade e sem perturbação, disponibilidade de alimento e uma diminuição dos fatores de mortalidade, como o uso ilegal de venenos e a perseguição direta.

 

Para o sucesso do projeto, e a conservação do abutre-preto, a cooperação entre múltiplas entidades e setores de atividade será essencial, e os parceiros de projeto agradecem a todos os que têm estado envolvido nestes esforços. Para esta marcação em particular, são devidos agradecimentos ao ICNF e à Herdade do Monte da Ribeira.

 

 

Sobre o projeto LIFE Aegypius Return 

 

 

 

O projeto LIFE Aegypius Return pretende consolidar e acelerar o regresso do abutre-preto em Portugal e Espanha ocidental, através da melhoria de habitat e da disponibilidade alimentar, e da minimização das principais ameaças com ações de capacitação das entidades e agentes nacionais. A equipa do projeto vai implementar ações de conservação específicas em dez áreas Natura 2000 ao longo de quase toda a fronteira entre Portugal e Espanha, com o objetivo de duplicar a população de abutre-preto em Portugal para 80 casais em 5 colónias e, assim, baixar o estatuto nacional da espécie de Criticamente em Perigo para Em Perigo até 2027.

 

O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia. O seu sucesso depende do envolvimento de todos os stakeholders relevantes, e da colaboração dos parceiros, a Vulture Conservation Foundation (VCF), beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.

 

 

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