Descobrindo a geodiversidade urbana em Setúbal

Integrar a educação ambiental focada na Geodiversidade urbana é fundamental para se promover um desenvolvimento sustentável e uma convivência harmoniosa nas cidades. Ao educar-se a população sobre a importância e os benefícios da Geodiversidade, em articulação com a biodiversidade e o património cultural, é possível incentivarem-se práticas de conservação, fortalecer a identidade local e melhorar a qualidade de vida nas cidades. Nesse contexto, foi-se buscar a natureza na cidade, em mais uma das ações da LPN na cidade de Setúbal, onde se desenvolveu um percurso educativo que incluiu uma variedade de elementos de interesse geológico, paleontológico e geomorfológico, referenciados através da elaboração de QR Codes informativos, colocados em vários pontos da cidade.

 

No mês de julho, a LPN organizou uma ação na cidade de Setúbal, integrada no programa Bandeira Azul do Município de Setúbal e que contou com o apoio da Associação Baía de Setúbal e do projeto Mares Circulares. Num percurso pedestre linear, de aproximadamente 4 kms pela cidade de Setúbal, guiado pelo professor destacado na LPN – Jorge Fernandes, os participantes efetuaram uma “viagem” que os transportou para a Geologia e Paleontologia da cidade, através dos elementos da Geodiversidade em contexto urbano, entrelaçando-se, necessariamente, com os elementos culturais, históricos, sociais e naturais.

           

O percurso iniciou-se na Praia da Saúde, onde o professor Jorge Fernandes efetuou um breve enquadramento da Geologia de Setúbal, salientando que a Geodiversidade de Setúbal constitui parte integrante da cultura humana tendo como exemplos mais evidentes a Brecha da Arrábida, que recentemente foi classificada como “Pedra Património Mundial” – Hertitage Stone pela UNESCO e que foi explorada na Arrábida, o calcário liós, que embora não seja oriundo mas da cidade de Lisboa e da região e Montelavar - Negrais está  existente nas fachadas e edifícios da cidade, ou o Geomonumento da Pedra Furada, classificado como Bem de Interesse Público.

 

Seguidamente, os participantes foram convidados a observar as lajes das escadarias de acesso à Praia da Saúde, disponibilizando-se informação sobre as várias variedades do calcário lióz. Neste contexto, os fósseis existentes foram elementos destacados, como por exemplo de corais e moluscos, designadamente os Rudistas (grupo biológico extinto que engloba alguns dos moluscos bivalves mais bem-sucedidos e mais extraordinários de sempre, em especial durante o Cretácico, extinguindo-se no final do Mesozoico (há cerca de 66 Ma) e, outros gastrópodes. Contudo, para que a Geologia e esses fósseis possam ser fruídos em pleno, para além da explicação efetuada, foram colocados antecipadamente junto ao Bar das Ostras, nos bancos de jardins e na papeleira cerca de 4 QR Codes, num total de 12 em vários pontos diferentes da cidade, nomeadamente, nos 4 locais de paragem da ação de formação, para que essa informação permita identifica-los e enquadrá-los no futuro, com fácil acesso.

 

 

Observação e descrição da pedra Lióz e dos fósseis. Foto: Rita Gamito.

 

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Descrição dos fósseis de Rudistas (bivalves extintos no Cretácico) que permitem retratar o paleoambiente.

Foto: Rita Gamito

 

 

Exemplo de um QR Code instalado num banco junto à Praia da Saúde.

 

 

Caminhando pela cidade, ao longo da marginal e após termos passado pela Casa da Baia (sala de visitas da cidade que tem como objetivo a divulgação e promoção turística da região e a distribuição de produtos regionais), íamos caraterizando a biodiversidade urbana, especialmente o coberto arbóreo da cidade constituído essencialmente por Pinheiros Mansos, ou não fosse a Península de Setúbal a principal região onde estas árvores se desenvolvem até chegarmos à Praça Machado dos Santos, junto à estátua em mármore de Mariana Torres, uma operária conserveira assassinada pela GNR em 1911 durante uma manifestação por melhores condições de vida e de trabalho. Hoje o largo é típico e, constitui-se como um ponto de encontro da população de Setúbal. No largo, na Fonte Nova, os participantes após a explicação do orientador Jorge Fernandes e da leitura dos QR-Codes instalados no beiral da fachada, observaram os excelentes e belos exemplares de gastrópodes - Neoptyxis olisiponensis datados do período Cretácico

 

 

Observação e descrição dos fósseis de moluscos na fachada da Fonte Nova.

Foto: Rita Gamito.

 

 

Corte longitudinal de Neoptyxis olisiponensis (Sharpe 1850) mostrando o padrão de pregas e as caraterísticas internas. Local: Fonte Nova coordenadas: 38,524107; -8,899118.

 

 

Há medida que o tempo aquecia, a descoberta da Geodiversidade e da Biodiversidade urbana também aumentava, observando e caraterizando-se algumas árvores ornamentais, logo se destacou um belo e monumental Lódão Bastardo – Celtis australis, uma árvore que é bastante tolerante à poluição e muito resistente, embora goste de solos húmidos e frescos o que poderá indicar a presença de água subterrânea e de linhas de água nas proximidades.

 Depois de termos passado pelas “rochas exóticas na Geologia de Setúbal” - os granitos ornamentais das escadas do departamento de Educação da Câmara Municipal), chegámos ao nosso terceiro ponto da saída que assinala um marco da história arquitetónica portuguesa – o início do período manuelino – o Convento de Jesus e o seu Mar Jurássico no Largo e adro da igreja.

 

 

Descrição do granito com muitos feldspatos (ortose) à entrada do departamento de Educação da Câmara Municipal de Setúbal testemunhando a evolução paleogeográfica e dos ambientes geológicos. Foto: Rita Gamito.

 

 

 

Depois de visitarmos o Museu, à entrada da igreja, foi possível observarem-se amonites do Jurássico Médio e fósseis de corais com 150 milhões de anos atrás, que nos transportaram para outros ambientes, de mares quentes, de pequena profundidade em ambiente de Plataforma. Durante este Período, a Pangea separou-se permitindo o desenvolvimento do Atlântico e de uma grande biodiversidade nos Oceanos. Toda essa biodiversidade marinha é testemunhada no Largo de Jesus, bastando olhar para o chão para os ver.     

 

 

Oblíqua. Rocha Ataíja Creme – S. Vicente de Aljubarrota (Alcobaça). Local: Adro do Convento de Jesus. Fonte; C.M Silva

 

 

Ressalta, no entanto, aos nossos olhos, na construção do Convento de Jesus a brecha da Arrábida, uma rocha única em Portugal e provavelmente a nível Mundial, exclusiva da serra da Arrábida, utilizada em objetos de arte decorativa, e em vários monumentos e fachadas e de locais interiores em Setúbal. A sua beleza e heterogeneidade fizeram com que se tornasse numa rocha muito apreciada de grande valor ornamental utilizada não só no País, como também, em sete países estrangeiros já inventariados. Reconhecendo a importância histórica e a relevância arquitetónica das aplicações da brecha da Arrábida, aliadas aos valores geológicos, culturais e pedagógicos, a brecha da Arrábida teve recentemente a distinção de Pedra Património Mundial (Heritage Stone) atribuída pela Subcomissão do Património Geológico da IUGS – International Union of Geological Sciences, entidade parceira da UNESCO na área da geociência.

 

A exploração da brecha da Arrábida cessou em meados dos anos 70, com a criação do Parque Natural da Arrábida, onde se localizavam as pedreiras, é, no entanto, de acordo com J. Kulberg de um georrecurso extinto mas um recurso cultural vivo, sendo que urge face ao seu grande valor didático e científico a preservação e melhoramento dos afloramento da pedreira do Jaspe, onde está a evidência da ocorrência natural da brecha da Arrábida.

 

Após a visita à igreja e consulta dos QR Code instalados no seu interior descreveram-se as caraterísticas e génese da Brecha da Arrábida, na fonte do Largo de Jesus.  

 

 

Brecha da Arrábida - Local: Largo de Jesus- Coordenadas:38,526008; -8.894743.

 

 

QR Code instalado no interior da Igreja do Convento de Jesus.

 

 

QR Code instalado na fonte do Largo de Jesus.

 

 

QR Code instalado num banco do Largo de Jesus.

 

 

 

Percorrendo o trajeto defenido, rumámos à Praça do Bocage, local icónico e alvo de atenção dos povos que por ali passaram.  Junto aos Paços do Concelho e da estátua do Bocage, no chão, tem-se um excelente exemplo de utilização artística da Calçada Portuguesa, inscrita como Património Imaterial de Portugal e cuja aplicação extravasa Portugal e o Mundo Luso.  A Calçada Portuguesa presente nesta praça setubalense tem uma conjugação de cores impressionante, desde pedras calcárias beje, brancas, rosas e pretas. Neste local, efetuamos uma breve descrição da origem, história e  técnicas de aplicação da Calçada Portuguesa, destacando-se o brasão Setúbal nas imediações dos Paços do Concelho.

 

 

Observação e descrição dos Calcários utilizados na Calçada Portuguesa. Foto: Rita Gamito.

 

 

 

No átrio dos paços do Concelho e numa fonte, os participantes, sempre muito curiosos, iam descobrindo mais fósseis, tendo sido lançado o desafio de se encontrar alguns exemplares de Rudistas que tivessem a valva fixa unida com a valva livre. Após a descoberta por parte de uma dos participantes (Isabel Leal), logo à entrada da Câmara Municipal de um magnífico exemplar, fez-se uma descrição dos fósseis e de vestígios de atividade dos seres vivos (icnofósseis) existentes nas imediações.

 

 

Exemplo de QR Codes colocados no banco dos Paços do Concelho

 

 

Nesta ação os aspetos de Geodiversidade urbana identificados serviram de base à criação de códigos QR informativos nos locais de paragem que podem ainda servir de base, não só para o conhecimento da Geodiversidade como para reunir informação que pode ser utilizada como potencial educativo e turístico.

 

Exemplo de alguns QR Code colocados em Setúbal com a descrição da Geodiversidade:

 

 

 

Após a viagem com um olhar mais atento e conhecedor pelo mundo maravilhoso dos fósseis, da Geodiversidade e Biodiversidade urbana, que se encontra à nossa volta, cresce em nós a vontade de os preservar e proteger, de impedir a sua destruição e vandalismo, devido por exemplo, entre outos fatores, ao desconhecimento, uso abusivo da publicidade, de graffitis e desordenamento de uma cidade. Ações de formação sobre a Geodiversidade urbana a exemplo de outras ações de formação promovidas pela LPN, integram as diferentes áreas de conhecimento permitindo compreender a mutabilidade do ambiente e a necessidade da sua conservação, que visa proteger a natureza, não só na sua vertente biótica mas também abiótica, definindo através do passado os nossos futuros entrelaçados.

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