Numa saída de campo épica do projeto Despertar para a Natureza organizada pelo grupo disciplinar de Biologia - Geologia, que contou com a participação da professora Anabela Cruces e do fotógrafo de natureza Paulo Rocha, os alunos da Escola Secundária da Azambuja foram ao encontro da incrível biodiversidade do Paúl de Manique. Encontraram o sal da Terra, nas salinas de Rio Maior e caminharam calmamente pelas vagas de atividade magmática que em tempos escoaram no dorso da Serra dos Candeeiros em Portela da Teira.
Numa madrugada de inverno, estava ainda um pouco de nevoeiro junto à estação de comboios da Azambuja, na delicadeza da sua tranquilidade, inúmeros flamingos alimentavam-se na Lezíria do Tejo. A poucos mais de um km fica a Escola Secundária de Azambuja, local onde o professor destacado da LPN, se dirigiu para mais uma saída de campo, no âmbito das atividades do projeto Despertar para a Natureza da LPN.
A saída de campo organizada pelos professores Edmundo Martins, Lígia Cleto e Francisco Castro e pelo grupo disciplinar 520, há muito que estava a ser programada para os alunos do 11º ano. Após a inscrição no Projeto Despertar para a Natureza por parte do professor Edmundo Martins, convidou-se a professora Anabela Cruces, docente da Faculdade de Engenharia da Universidade Lusófona, e Paulo Rocha, fotógrafo de Natureza com o objetivo de se estudar a Bio e Geodiversidade do concelho de Azambuja e limítrofes, bem como a tomada de consciência do valor deste património para a tomada de decisões individuais e coletivas.
A saída de campo estava montada: o transporte assegurado por parte da EPAL – (Empresa Pública de Águas de Lisboa) aguardava-nos para uma viagem com paragens para observação e interpretação do Paul de Manique, Salinas de Rio Maior e Portela do Teira – disjunção colunar de origem vulcânica).
Passando pelo aqueduto, à entrada da vila de Manique do Intendente, que transportava a água para o Palácio de Pina Manique, situado no centro da vila, a primeira paragem foi numa região próxima da área da escola, a vertente do vale da Ribeira do Judeu. A luz da alvorada iluminava a visão para a zona do Manique do Intendente, e num vale rodeado de pequenos montes anunciava-se um espelho de água - a zona húmida do Paúl de Manique
Pertencente à rede de afluentes do rio Tejo, a ribeira do Judeu, juntamente com as águas das nascentes que brotam dos calcários circundantes do vale, possibilita a criação da zona húmida do Paúl de Manique, este para além da sua beleza e riqueza, constitui um riquíssimo património natural de grande importância em termos de biodiversidade, nomeadamente, em avifauna já reconhecida a nível nacional.
Chegados ao local, onde o Paulo Rocha nos aguardava para as explicações referentes à biodiversidade da região do Paúl de Manique, percebia-se logo a excelente organização da saída por parte do professor Edmundo Martins e do grupo disciplinar de Biologia-Geologia bem como o interesse que os aluno manifestavam, percorrendo de forma ordenada um pequeno trilho, até ao local na vertente que permitia uma visão mais ampla da paisagem, ao redor de Manique de Intendente e do Paul de Manique. Aí, a professora Anabela Cruces, após efetuar o enquadramento da Geologia e Geomorfologia da região, alertou para questões problemáticas de ambiente, como por exemplo, a perda de solo resultante de más práticas agrícolas ou a utilização dos pesticidas e adubos que contaminam a ribeira e os aquíferos.
Enquadramento geográfico e geológico pela professora Anabela Cruces.
Numa zona com de sulcos de ravinamento resultante da erosão hídrica, nos arenitos, destacavam-se vários calhaus em saliência, e segundo a professora Ana Bela, tinham sido transportados pelo pré-Tejo, e ali depositados, provenientes de zonas a montante da Zona Centro Ibérica (exemplo: Beira Baixa – Espanha).
Ninho de andorinha das barreiras (Riparia riparia) ocupado depois por um sardão (Lacerta lepida). Observam-se também calhaus de quartzito resultantes do transporte de zonas a montante do pré-Tejo.
Nesses materiais grosseiros do Tejo, nos arenitos, o fotografo Paulo Rocha explica a biodiversidade da região, de repente, chama-nos a atenção para uns buracos que surpreendentemente estavam, aparentemente, escavados… “Sabem qual a origem destes buracos?”. – São ninhos escavados por um casal de Andorinha-das-barreiras (Riparia riparia), que depois de terem feito o ninho, foi ocupado por um sardão mencionando ainda que das 5 andorinhas portuguesas existentes, na região do Paúl de Manique observam-se cerca de 3 espécies.
Explicação de Paulo Rocha sobre a biodiversidade da região do Paúl de Manique.
Após termos ficado conscientes de quanto sensível e frágil é o ecossistema da região de Paúl de Manique, seguimos para visitá-lo in loco. Cercado por explorações agrícolas o Paúl durante décadas foi drenado artificialmente para produção agrícola, sendo a última plantação realizada nos anos 80. Nos anos 90 deixou de ser cultivado e com a renaturalização, alberga nos seus 18 hectares, centenas de diferentes espécies.
Caraterização biofísica do paúl de Manique pela professora Anabela Cruces.
Constituindo um ponto de apoio para as aves da costa para o Tejo, e um corredor de migração das aves invernantes, provenientes do Norte da Europa e de África, o Paúl tem diversas espécies residentes, salientando-se, entre outras, espécies protegidas como o Junco (Juncus valvatus), o Cágado- de- carapaça- estriada (Emys orbicularis), a Cegonha - preta (Ciconia nigra) e o Caimão- comum (Porphyrio porphyrio) que na zona central onde há a Tábua-da- Folha-Larga (Typha latifólia) se alimenta no mesmo espaço que a Galinha de Água (Gallinula chlorophus).
Recentemente, no município de Azambuja, investigadores e professores juntaram esforços, criando o projecto PaulNatura – Conhecer para Proteger. Este projeto liderado pela Universidade Lusófona (COFAC - Cooperativa de Formação e Animação Cultural) tem como parceiros a Câmara de Azambuja, a Junta da União de Freguesias de Manique do Intendente, Vila Nova de São Pedro e Maçussa e o Agrupamento de Escolas do Alto de Azambuja.
Graças a esse projeto já foi possível mobilizar a sociedade civil e ocorrer a limpeza do leito, tendo sido colocados painéis, um passadiço e um posto de observação de vida selvagem.
Observação das aves no passadiço do paúl de Manique.
Para além dessas intervenções, registou-se um apelo à sociedade civil com diversas formações efetuadas através do projeto PaulNatura – Conhecer para Proteger, da qual fazem parte os orientadores da saída. O projeto financiado pelo Fundo Ambiental que tem como objetivo estimular o conhecimento, a proteção e a preservação do ecossistema, para tanto, tem-se desenvolvido diversas ações de educação ambiental com escolas, professores e população em geral para que seja possível a sua conservação e valorização.
De acordo com a descrição no site da Câmara Municipal de Azambuja “O projeto tem como fio condutor a criação da futura “Reserva Natural Local do Paúl de Manique”, envolvendo a comunidade nessa tomada de decisão e em processo de apropriação dos valores da causa”.
Numa zona húmida como o Paúl nunca temos garantidos avistamentos específicos e, por outro lado, boa parte dos carnívoros que ocorrem em Portugal vivem escondidos na escuridão da noite. Alguns são tímidos, pouco afoitos, como as lontras, e outros iniciam a sua atividade ao final da tarde, como a raposa, mas poderemos ter vestígios de atividade desses animais, detetados nos seus dejetos, como no caso de restos de lagostins (vestígio de lontra) ou de pêlos de mamíferos (vestígio de raposa), decorrentes das amostras trazidas pelos orientadores, resultantes observações e investigações efetuadas no Paúl e demonstrados pelos orientadores da saída. Também foram mostradas aos alunos outras amostras nomeadamente das argilas recolhidas no paúl bem como da presença de espécies invasoras como os peixes – gambúzios (Gambuzia affinis).
Dejetos de Lontra (restos de Lagostins) - Paúl de Manique.
Dejetos de raposa (com pelos de mamíferos) - Paúl de Manique.
Explicações de Anabela Cruces e Paulo Rocha no Passadiço do Paúl de Manique.
Da grande biodiversidade existente no Paúl, destaca-se também, como salientou Paulo Rocha, a identificação de cerca de 36 espécies de libélulas e libelinhas, das 65 espécies existentes atualmente em Portugal.
Acasalamento de duas libélulas – Paúl de Manique.
Garça-branca-grande (Egretta alba) - ave invernante - Paúl de Manique.
Depois de termos visitado o Paúl de Manique, com as orientações do Paulo Rocha e Anabela Cruces, apercebemos-nos melhor da atração que este oásis natural reúne e que importa divulgar, dada a sua importância ecológica.
Os itinerários em espaços naturais, permite-nos um conhecimento dos locais e da realidade circundante pelos alunos, até porque do total dos alunos presentes nesta saída de campo e que vivem no concelho de Azambuja, apenas 01(um), é que conhecia o Paúl de Manique, o que reforça a importância de se realizarem saídas de campo em regiões próximas das Escolas.
Após a visita ao Paúl de Manique partimos rumo para o sopé da serra dos Candeeiros, às salinas de Rio Maior, em pleno Parque Natural da serra de Aire e Candeeiros, estas classificadas como Imóvel de Interesse Público, são as únicas salinas interiores em Portugal e as únicas que se encontram em funcionamento da Europa. Neste local, o sal é um testemunho da presença em outros tempos geológicos, de ambiente litoral (lagunas e planícies de inundação de marés). A água, cerca de sete vezes mais salgada do que a água do mar chega através de um poço na zona centro das salinas, após passar por um extenso e profundo filão de salgema.
As salinas encontradas no local, encaixam-se no Vale Tifónico, onde abundam rochas evaporíticas – salgema e gesso (Formação Margas da Dagorda) rodeadas por argilas e calcários. As rochas evaporíticas são pouco densas e apresentam um comportamento plástico, o que conjuntamente com a existência de um sistema de falhas permitiu o seu movimento ascensional – diapirismo – originando um vale (Vale Tifónico). (Santos, C., Cardeira,et al.)
Depois de observarmos os compartimentos a que se dá o nome de “talhos”, feitos de cimento ou de pedra, de tamanho variado e pouco fundos, para onde, por regueiras, é conduzida a água salgada que se tira de um poço e os 70 “esgoteiros”, talhos de maior profundidade que armazenam temporariamente água salgada para abastecer as salinas, fizemos uma pequena paragem para recompormos as energias, almoçando junto às lojas de sal aí existentes.
Compartimentos – talhos - feitos de cimento ou de pedra, de tamanho variado e pouco fundos, para onde, por regueiras, é conduzida a água salgada que se tira de um poço.
Junto a este “poço de memória” a professor Anabela Cruces com o auxílio das cartas cartográficas (militares) e cartas geológicas da região efetuou um enquadramento Geológico explicando o processo de formação das salinas de Rio Maior.
Explicação das cartas cartográficas (militares), Cartas Geológicas (temáticas) da região das salinas de Rio Maior e enquadramento geológico.
Junto às Lojas de sal nas salinas de Rio Maior.
Após a visita às salinas, ficámos com a perceção de que estávamos junto a um sal muito especial, pois quando nos alimentamos deste condimento ou o utilizarmos com fins medicinais, como esfoliante, vem-nos à ideia de estarmos a consumir algo que atravessou processos pouco complexos, mas com a idade de aproximadamente 200 Milhões de anos e que foi explorado desde tempos remotos, pelos romanos e árabes.
A natureza tem ritmos próprios e não é que existem rochas magmáticas no Maciço calcário Estremenho? Para isso, deslocámo-nos para a próxima paragem onde se iria observar o filão camada ou "sill" da Portela da Teira, testemunha de magmatismo ocorrido em Portugal no final do Jurássico, início do Cretácico.
Antes, subimos um pequeno trilho, até que a minha lente da máquina fotográfica rapidamente se sentiu atraída pelas colunas de basalto verticais que se anunciaram imponentemente. Trata-se de um excelente exemplo de belas colunas de disjunção prismática em magma basáltico.
No entanto, apesar de terem uma composição idêntica à dos basaltos, as rochas que aqui se encontram são intrusivas, formadas quando o magma basáltico se introduz entre camadas de rochas mais antigas, e arrefece a pequena profundidade, no interior da crusta terrestre - doleritos.
Colunas de disjunção prismática do Portela da Teira.
As colunas de disjunção prismática do Portela da Teira chegam a atingir 20 metros de altura, sendo o seu diâmetro de cerca de meio metro. Com a explicação e enquadramento efetuado pela professora Anabela Cruces recuámos no tempo, à distância dos humores da Natureza-Mãe, altura em que o Oceano Atlântico se começou a formar, quando a Pangea há 200 Ma se começou a fragmentar.
Enquadramento da Portela do Teira pela professora Anabela Cruces.
Estes afloramentos que pisávamos e observávamos, instalados numa pedreira, hoje desativada, ocorreram em consequência de regime distensivo que afetou a Margem Ocidental Ibérica (MOI) onde se instalou a Bacia lusitaniana, entre o Jurássico Superior e inÍcio do Cretácico, num contexto de oceanização do Atlântico Norte.
De acordo com (Ferreira e Macedo 1983) citado por Kulberg, a atividade ígnea na Orla-Mesocenozóca portuguesa está relacionada com vários episódios de Rifting que estiveram na sua génese, registando 3 ciclos magmáticos distintos na sua natureza química, no tempo, no espaço e no enquadramento tectonomagmático.
A região de Portela da Teira bem como os afloramentos expostos nas proximidades insere-se no 2º ciclo de natureza transicional, que é representado por numerosos afloramentos entre Rio Maior e Soure, com uma composição entre subalcalina, toleítica e alcalina, de idades entre 147 e 142 Ma (Grange et al. 2008; Alves et al. 2010).
Num instante, a professora Anabela Cruces, exemplo de como se comunica em ciência, prescruta com o seu olhar a rocha ao redor e encaminha-nos para a frente abandonada da pedreira situada a 50 m a sul com a ocorrência de disjunção semelhante mas em colunas subhorizontais, mencionando o excepcional interesse científico e didático de elevada importância paisagística e geomorfológica, do afloramento de Portela de Teira que não obstante estar classificado como geossítio de importância nacional se encontra vulnerável derivado a trabalhos de pedreiras nas proximidades imediatas.
Caminhando para sul na Portela da Teira.
Observação do lago resultante das atividades das pedreiras na Portela da Teira.
Com a participação exemplar por parte dos alunos, cumpriu-se os objetivos desta saída de campo possibilitando não só um contacto directo com o mundo natural biótico e abiótico mas também uma tomada de consciência acerca do ambiente através de um conhecimento que se pretende ligado à empatia e relacionamento entre todos.
Nesta saída, a Geologia foi um tema essencial sobressaiu a ideia de que os geólogos têm uma noção de tempo um pouco diferente, no qual a vida é curta quando comparada com os fenómenos que estudam, e tem-se boas razões para pensar que somos felizes em conhecer e sentir estes locais lindos, embora, frágeis e que urge preservar e valorizar sendo esse o objetivo do Projeto Despertar para a Natureza.
Uma palavra de agradecimento à colaboração da professora Anabela Cruces, Paulo Rocha, pela disposição, generosidade e orientações dadas, e ainda, ao professor Edmundo Martins, ao grupo 520 da Escola pela organização desta memorável saída e que junto com os seus alunos cederam um donativo à LPN. Uma palavra também de agradecimento para o apoio que a EPAL através da sua ação de educação ambiental tem proporcionado ao projeto Despertar para a Natureza.
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