Esquema de um Rudista Caprinídeo (grupo extinto de bivalves no final do Cretácico) evidenciado pelo Prof. Carlos M. Silva e existente na rocha Liós na fachada de um prédio onde ocorrem bonitos exemplares fossilizados de conchas com a estrutura interna da parede alveolar da parede bem patente (Silva,2007).
Talvez seja uma surpresa para alguns, mas eis que tal como numa saída de campo exterior à cidade, também no mundo urbano podemos encontrar fósseis e reconstituir os ambientes passados colocando-nos em contacto com o mundo natural. Observar e interpretar a geodiversidade e a paleontologia em percursos urbanos desperta-nos para um outro olhar, um olhar que cruza a História, com a Ciência e com a Arte alertando-nos para a necessidade de proteger e conservar a Natureza.
São dez horas da manhã de domingo junto à igreja de S. Sebastião em pleno centro de Almada e um grupo de participantes (na sua maior parte professores) estão reunidos para mais uma saída- ação de formação promovida pela LPN. Por agora, o ritmo da cidade vai acordando ainda lentamente, ao redor numa esplanada, as pessoas conversam sobre o seu quotidiano, e pela rua alguns transeuntes andam de um modo mais calmo do que o habitual. Um dia diferente visto ser um domingo pois cada vez mais, atualmente, a maior parte das pessoas circula nas cidades a um ritmo mais rápido, numa aceleração que afeta mais as pessoas que o normal. Almada não “escapa” também a essa mudança vivencial de um caminhar mais acelerado. Se tivermos um olhar mais atento, conhecedor e um caminhar mais calmo, na verdade, podemos deparar-nos com ricas surpresas e ligarmo-nos mais aos locais, valorizando-os e protegendo-os.
Introdução da saída de interpretação em ambiente urbano no qual a geologia pode ser observada e interpretada levando os cidadãos a ver aspetos da geodiversidade e da biodiversidade podendo mesmo ser complementada nas aulas pelos professores de Ciências Naturais.
Foi com esse espírito que lançámos o desafio de observação direta e interpretação de aspetos paleontológicos geológicos, indissocialvelmente ligados ao modo de vida quotidiano urbano, à Biologia e Cultura lançando o repto ao professor Carlos Marques da Silva, professor de Paleontologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa para uma saída – ação de formação a realizar em Almada. Com um trabalho de realce de divulgação desde 1998, com várias ações de formação e percursos realizados em meio urbano, depressa o professor nos “prendeu” à observação direta de pequenos detalhes paleontológicos e geológicos recheados de grande significado e valor pela compreensão que íamos tendo da Geologia que molda uma cidade.
Apresentação pelo Prof. Carlos M. Silva da saída sobre paleontologia, geodiversidade e geoconservação junto à Igreja de S. Sebastião no Largo das Andorinhas em Almada.
Um despertar para a diversidade geológica e biológica efetuado pelo Professor Carlos Marques da Silva, com a presença de todas as gerações.
Na verdade, o tempo ia passando, talvez por estarmos tão absorvidos em detalhes íamos esquecendo o tempo, ele não passava a correr. Íamos observando nas fachadas, pavimentos dos edifícios e muros vários exemplares de diferentes tipos de grupos biológicos de fósseis que se podiam encontrar na cidade, por vezes alguns transeuntes curiosos indagavam o que se passava. Porque razão haveriam de estar tantas pessoas a olhar para uma parede?...
Observava-se, por exemplo, a morfologia de vários exemplares de conchas de rudistas (Bivalves extintos no Cretácico, tal como os dinossauros) nas rochas ornamentais (Calcário Liós) muito utilizada em Lisboa, como por exemplo em vários monumentos. Mais à frente já na esquina paqra outra rua parámos junto ao incrível Almadense, na fachada de um prédio com o professor a explicar, e eis que um motorista de um autocarro estacionado junto ao passeio ouvia incrédulo as explicações que eram objeto de apontamentos e de registos fotográficos por parte dos participantes. Um grupo de turistas que passavam na rua a caminho de visita ao Cristo Rei mostraram-se curiosos indagando o que se passava (note-se que o professor sabe falar fluentemente russo para além de inglês). Isso sugere que a existência de placards informativos ou outros meios de informação sobre a geodiversidade urbana podiam ser um contributo para o enriquecimento de um turismo em expansão como seja o da promoção de turismo científico na região de Lisboa.
Enquadramento efetuado pelo Professor Carlos M. Silva com recurso a esquemas exemplificativos de fósseis existentes nas fachadas.
Na cidade a geologia pode ser observada e interpretada.
Caminhamos lentamente mais uns metros e em outro prédio, junto ao chão, deparamo-nos com gastrópodes marinhos Nerinea (Búzios) que indicam ambientes de formação lagunares. Mais à frente, somos surpreendidos com conchas de Nautilóides, registos de fósseis mais antigos existentes num pavimento de um restaurante preenchido por uma rocha escura (calcário margoso), possivelmente de idade jurássica e mais adiante observamos várias radíolas (popularmente conhecidas como espinhos) de ouriços. Demo-nos conta de que estávamos a “pisar” em tempos o que foi um ambiente marinho pela informação que nos era dada do ambiente de génese da rocha pelos fósseis.
Ainda podíamos referir a título de exemplo a presença de galerias, ou túneis escavadas por crustáceos, bem como de outros grupos de fósseis que tornam evidente a necessidade de preservação desses locais que registam ambientes passados permitindo interpretar as alterações climáticas que existiram bem como de algumas espécies de seres vivos atualmente extintas.
Exemplo de graffitis que destroem pormenores da diversidade geológica e biológica na cidade.
Fósseis de Nautilóides (Cefalópodes marinhos muito abundantes no Período Paleozóico) no calcário margoso escuro no pavimento de entrada de um restaurante.
A observação da geodiversidade e paleontologia para além de poderem ser uma estratégia educativa que pode ser utilizada pelos professores como complemento para saídas e percursos com os alunos ultrapassando os “muros” da Escola pode ser associada com outras disciplinas num contexto mais amplo interdisciplinar. Deste modo, pode levar-se a entender que temos de olhar para a cidade com um outro olhar, de respeito pela geodiversidade, que permita entender que certas intervenções em edifícios e/ou recuperações de fachadas, de colocação de cartazes e graffittis, por ignorância ou de expressão nesses locais tem como resultado uma perda cultural, pedagógica e turística.
A importância das coisas não está no tamanho e na rapidez de como efetuamos as nossas ações quotidianas. Dar tempo ao tempo, preservar a cultura cruzando-a com as diferentes gerações, compreender os pequenos aspetos e detalhes de identidade dos locais, torna uma cidade mais agradável para se viver e esses são aspetos fundamentais no que representam num contexto global de proteção e respeito pelo ambiente. Essas são as mensagens que seriam absolutamente demonstradas pelo professor Carlos Marques da Silva.
Exemplo de uma fachada de um edifício que evidenciava vários exemplares de fósseis que sumiram devido a uma intervenção atual de colocação de um anúncio relativo a uma loja de animais.
Parede de um prédio com numerosos exemplares fossilizados que importa conservar.
Fósseis de conchas de gastrópodes – Nerinea (grupo de gastrópodes marinhos – búzios extintos na era Mesozóica) na rocha ornamental da fachada de um edifício.
Esquema exemplificativo das conchas de Nerinea facilmente identificáveis em corte axial e que se observa na rocha ornamental da fachada do edifício.
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