Geomonumentos e as Águas Invisíveis de Lisboa

Lisboa encerra tesouros escondidos como sejam águas subterrâneas e conserva à vista de todos, pistas sobre o seu passado geológico dando-nos as informações dos ambientes antigos, das alterações climáticas e dos movimentos tectónicos.

 

Em 2010 foram classificados alguns afloramentos rochosos na cidade de Lisboa como geomonumentos devido ao seu interesse científico, pedagógico e cultural. Com a finalidade de dar a conhecer o geomonumento da Rua da Judiaria e as águas subterrâneas que nascem e brotam em Alfama, a LPN trouxe a Natureza num percurso urbano num percurso cheio de história e cultura.

 

No dia 25 de novembro, a LPN efetuou uma ação de formação para professores e público em geral, no bairro de Alfama através da observação de aspetos geológicos e paleontológicos que se fundem com a história e a cultura da cidade.

 

Na sequência das ações que a LPN tem empreendido sobre a Geodiversidade Urbana e Geomonumentos de Lisboa, a ação teve como objetivo inicial o conhecimento e observação dos Geomonumentos da zona oriental de Lisboa. Mas pelo facto de nos encontrarmos no bairro de Alfama, era inevitável abordar-se a “riqueza esquecida de Lisboa”, nomeadamente, as suas águas, que constituem um grande grupo de nascentes que se estendem pela margem do rio Tejo desde a Fonte da Bica até ao Chafariz d`el Rey, local onde iniciámos a nossa ação de formação.

 

As águas termais em Alfama eram bastante numerosas. Atualmente encontram-se seladas sendo a água encaminhada para o rio Tejo. No Chafariz d`El Rey, um dos mais belos da cidade, construído no reinado de D. Afonso II, encimado por uma notável edificação que tinha como função abastecer a população da zona e as embarcações, o professor destacado – Jorge Fernandes efetuou uma introdução à Geologia da cidade de Lisboa, mencionando a influência da litologia na edificação e no cromatismo que distingue esta cidade de outras, como por exemplo a que nos é apresentada pelos granitos da cidade do Porto.

 

Seguidamente, a formadora Edite Bolacha, descreveu a Geologia de Alfama e a influência da tectónica no aparecimento do grupo de nascentes com temperaturas que atingem os 34ªC, em Alfama (grupo das Alcaçarias), que resultam do alinhamento de falhas entre o Chafariz d`el Rey e a Bica do Sapato, numa extensão de 1040m.

 

“As águas que corriam desta e de outras fontes, as que abasteciam o Chafariz d’El Rey e as que abasteciam ainda no início do séc. XX, algumas instalações termais com propriedades terapêuticas, como as Alcaçarias do Duque, estão todas relacionadas com a existência de uma falha inversa (a Falha de Alfama) e de muitas outras a ela associadas”.

 

O aumento da população na cidade de Lisboa verificado essencialmente a partir do século XIX, trouxe novos desafios no abastecimento necessário de água., sendo que Rui Mendes do Lisboa E-Nova, nos explicou os objetivos do Projeto Infrablueum projeto que pretende contribuir para a necessidade urgente de registar os aspetos culturais intangíveis relacionados com as ‘águas invisíveis’ pelo facto da urbanização do século passado ter modificado fortemente a paisagem, reduzindo os recursos hídricos existentesEm consequência, as infraestruturas ainda existentes vão sendo cada vez mais abandonadas ou demolidas e, com elas, vai-se perdendo progressivamente um conjunto de práticas e um património cultural de grande valor.

 

Simultaneamente, todos os dados sobre o Ciclo Urbano da Água e do abastecimento da água eram reforçados através de uma viagem histórica e arqueológica por Alfama trazida até nós, pelos formadores Rui Matos técnico de História de Arte e Pedro Miranda- arqueólogo da Câmara Municipal de Lisboa.

 

Pedro Miranda explicava-nos, por exemplo, que o chafariz, que originalmente era a principal fonte de água potável da capital e que servia para abastecer os barcos, estava encostado à muralha da cidade e tinha seis bicas em forma de cabeças de animais, sendo cada bica exclusiva de um grupo social, não esquecendo os mareantes.

 

“Não só a zona de Alfama constituía uma fonte de água como também, se destaca o aproveitamento das águas pluviais devido a um conjunto notável de cisternas que faz o aproveitamento das águas da chuva. Por outro lado, o aumento da industrialização e da população traz um problema que era onde se ia buscar água… qual foi o primeiro local onde foi buscara água na cidade? É aqui, então, que é edificada a primeira estação elevatória da Água” diz o historiador Rui Matos.

 

Para além da necessidade de se proteger o património cultural e da associação à hidrogeologia de Alfama, os formadores salientaram a importância da necessidade de se preservar e valorizar os afloramentos geológicos – geomonumentos, até porque há uma maior dificuldade em se encontrar registos da evolução e dinâmica terrestre num contexto urbano, como o de Lisboa. Nesse âmbito, a Câmara Municipal de Lisboa (em colaboração com o Museu de História Natural), inventariou e classificou cerca de 19 afloramentos designados por Geomonumentos de Lisboa e colocou totens descritivos de geomonumentos, incluindo-os no Planeamento municipal. No entanto, dos 18 geomonumentos classificados, alguns já estarão irrecuperáveis, outros abandonados e em risco de destruição.

 

Introdução da ação de formação junto ao Chafariz d`El Rey.

 

 

Descrição da Geologia de Lisboa por Jorge Fernandes.

 

 

À medida que caminhávamos por Alfama, éramos transportados também para a biodiversidade através dos fósseis existentes nas rochas ornamentais das paredes dos edifícios que se entrelaçam com os elementos culturais, históricos e sociais. Chegados junto a uma fachada do edifício da Alfândega, observámos inúmeros fósseis de gastrópodes do Andar Cenomaniano, usados com o topónimo de Lisboa, através do termo Olisiponensis, presente na Paleontologia através do restritivo específico (espécie) – Neopityxis olisiponensis.

 

Descrição dos fósseis e dos paleoambientes na fachada do prédio da Alfândega.

 

 

Fósseis de gastrópodes - Neoptyxis olisiponensis e de Acteonella sp. na fachada do prédio da Alfândega.

 

 

De volta ao Chafariz d`El Rey, classificado como Monumento de Interesse Público em 2012, acedeu-se através de uma porta localizada na Travessa do Chafariz d’El-Rei, a uma galeria articulada com cisterna de planta quadrada, onde Pedro Miranda nos explicou que a água é conduzida por esta galeria até um reservatório (tanque) adossado ao Palácio das Ratas, no lado posterior do chafariz, sendo escoada até ao espaldar do chafariz e às saídas de água (bicas).

 

 

Pedro Miranda descrevendo os vestígios históricos e arqueológicos de Alfama.

 

 

Entrada na Galeria do Chafariz D`El Rey. Descrição por Rui Matos da estrutura hidráulica do Chafariz.

 

 

De volta à superfície e ao longo do percurso ladeados pela Cerca Velha, (monumento nacional, provavelmente, erigida no período tardo-romano (séc III – V), que consiste nos vestígios da estrutura defensiva que ainda hoje se pode observar de modo parcial nas ruas de Alfama), pela rua de São João da Praça, íamos abraçando o passado e o futuro, oscilando entre o jogo da modernidade e a tradição, interligando a ciência e a história. Fazendo uma ponte para o passado pela porta de Alfama, que era a estrada que que daria ligação para Santarém, Rui Matos ia-nos descrevendo que a porta de Alfama a já existia desde o século XI, na altura designada pelos árabes por Bāb al-Hamma, ou Porta das Termas, por ali existir um local termal.

 

 

Rui Matos descrevendo a Porta de Alfama.

 

 

Uns metros à frente um outro ponto interessante, a Torre de São Pedro, obra avançada da defesa da porta de Alfama integrando a Cerca Velha, somos surpreendidos pelo aparecimento por entre os interstícios das rochas da formação dos calcários do miocénico, de Avencas - Adiantum capillaris-veneris, fetos que se desenvolvem em locais quentes e húmidos e que nos indicam a existência naquele local de uma antiga nascente, criando a dúvida de que essa torre estaria destinada a proteger um ponto de abastecimento de água.

 

Jorge Fernandes descrevendo a vegetação nas rochas da Torre de S. Pedro.

 

No mesmo local identificavam-se plantas como por exemplo a Parietaria judaica, planta espontânea que por coincidência apresenta a mesma designação de espécie que o topónimo da rua que se encontra nas traseiras da Torre de S. Pedro e onde existe um Geo monumento, na rua da Judiaria.

 

 

Edite Bolacha descrevendo o Geomonumento da Rua da Judiaria, em Alfama.

 

 

Com as energias boas que as avencas providenciam, encontrámos uma parte da muralha da Cerca Velha bem conservada. Na rua da Judiaria, para além de um afloramento rochoso e da Cerca Velha, existe uma fonte (“…dos poetas) que deitava água. Esta zona era uma pequena judiaria onde os judeus de Lisboa estavam confinados a viver e onde existe um afloramento de biocalcarenito considerado geomonumento de Lisboa, datado do Miocénico Inferior, (17 M. a), indicando um ambiente litoral.

 

Após a observação do Geomonumento da rua da Judiaria fomos guiados até à Fonte das Ratas, nas quais as suas águas granjearam fama, com o seu auge nos 60 do século passado, pelas suas pretensas propriedades curativas, com uma média de 360 garrafões por hora no qual o seu ritmo só abrandava entre as 3 e as 5 da manhã. Ainda nessa década de 60 terão sido encerradas, não obstante o descontentamento popular, por contaminação detectada pela “Inspecção das Águas”. À medida que descíamos para visitar as fontes no Largo das Alcaçarias, tentávamos imaginar o que seria aqueles tempos, do Lisboa de antigamente, da procissão que seria no acesso à água, que para além da utilização para fins terapêuticos das Águas das Alcaçarias eram igualmente aproveitadas para lavagens de couros e lãs.

 

 

 

Descrição do “Grupo das Alcaçarias”e fonte das Ratas, por Pedro Miranda no Largo das Alcaçarias.

 

 

Entrada das nascentes das Alcaçarias.

 

 

Por fim, dirigimo-nos na sequência das nascentes termais de Alfama até ao Chafariz de Dentro que poderão ser recuperadas no futuro, pois apesar de se encontrarem contaminadas e/ou salobras, podem ser reativadas como fonte de geotermia, preservando o seu valor histórico e patrimonial e valorizando as potencialidades dos recursos geológicos através de um recurso renovável.

 

 

Formadores da ação de formação Geomonumentos e as Águas Invisíveis de Lisboa – Legados de Natureza a preservar e valorizar no Chafariz de Dentro.

 

Alertar e consciencializar para a importância que constituem estes registos geológicos é essencial, os registos científicos e didáticos que esta ação de formação nos trouxe, constituem recursos educativos para as Escolas. A história geológica e a dinâmica terrestre moldam e fundem-se nas paisagens urbanas. Encontram-se preservadas em diversos locais do espaço urbano da cidade, apresentando, para além do valor científico, valor pedagógico e educativo, bem como cultural e geoturístico. Por isso deveremos esforçar-nos e envolvermo-nos como cidadãos com a finalidade da conservação e valorização dos Geomonumentos, tema que ao longo desta anos, a LPN se tem empenhado através de diversas ações de formação realizadas.

 

Subscreva a
nossa Newsletter

Se deseja receber informação atualizada sobre a LPN, por favor insira o seu email:

© 2018 Liga para a Protecção da Natureza.

Powered by bluesoft.pt