A extensa cordilheira da Arrábida afigura-se de uma beleza incomparável e um excecional valor natural, testemunho de processos geológicos ilustrativos da história da vida na Terra e de uma riqueza florística assinalável e única, de valor internacional. As suas importantes reservas de massas minerais, de onde se destaca o calcário, cedo levaram à sua exploração. Mas foi há cerca de um século, pelas mãos da Secil – Companhia Geral de Cal e Cimento, S.A., que a atividade extrativa industrial na Serra da Arrábida assumiu particular dimensão e impacto, numa sua propriedade no lugar do Outão, bem próxima ao estuário do Sado.
Na “Quinta de Vale da Rasca”, um terreno com cerca de 436 hectares, a Secil ainda hoje explora a pedreira Vale de Mós A (de onde extrai marga desde 1936), a pedreira Vale de Mós B (imediatamente a sul, de onde extrai sobretudo calcário), e a Fábrica do Outão, em laboração desde 1904. Atualmente, a Fábrica do Outão dedica-se à produção de cimento a partir da marga e do calcário extraídos das pedreiras Vale de Mós A e B, às quais se encontra ligada por uma rede de tapetes rolantes industriais.
Em 1962, o aumento da Fábrica do Outão levou a Secil a pedir a ampliação da sua pedreira de margas. À época, não havia ainda em Portugal uma lei que definisse e constituísse Reservas Naturais ou Parques Naturais onde se concretizassem medidas de conservação da Natureza. E o facto da laboração da unidade industrial ter tido início antes desta poder ser considerada por conceitos urbanísticos, fez com que o Ministério de Obras Públicas não tivesse legitimidade para impedir o desenvolvimento de produção, levando ao sacrifício da “proteção das belezas naturais” pelas “imperiosas exigências de desenvolvimento económico”. Ainda assim, ao abrigo da Lei nº 2009 da Presidência da República, fora solicitado à Secil um estudo geológico para a clara definição dos limites dessa exploração e a definição e implementação de um plano de recuperação e valorização paisagística para a área de exploração. O seu incumprimento determinaria a suspensão da licença de exploração. O estudo das reservas prováveis e das reservas possíveis dessa área permitiria, nas décadas seguintes, tecer previsões para o fim da exploração de marga e calcário na área licenciada, com base em estimativas do volume médio de extração anual.
O tempo foi passando e "os tempos” mudaram. A sociedade, e os Governos que sucessivamente a foram representando, passaram a olhar a Natureza e a sua salvaguarda com outro cuidado, com uma visão de futuro, da qual depende. Ao mesmo tempo que espaços naturais de grande sensibilidade, como a Serra da Arrábida, se foram mostrando cada vez mais vulneráveis às consequências do crescimento urbano e industrial, também se foram criando mecanismos de proteção com um mais forte suporte jurídico. É assim que, provada “a insuficiente proteção conferida pelas medidas preventivas decretadas para a zona”, em 1976 é criado o Parque Natural da Arrábida.
Com o Regulamento do Plano de Ordenamento desta Área Protegida (RCM nº 141/2005, de 23 de agosto), é determinado que na área de intervenção desse plano são interditas atividades de “instalação de novas explorações de recursos geológicos, nomeadamente pedreiras, e a ampliação das existentes por aumento de área licenciada”. A atividade extrativa da Secil nas suas pedreiras na Arrábida passa, assim, a ter um fim de vida à vista e, com ele, também o da Fábrica do Outão, cuja laboração apenas é economicamente viável enquanto fornecida com massas minerais vindas daquelas pedreiras.
Com a sua atividade condicionada às reservas existentes numa área total (licenciada) de 98,67 hectares, que se pode desenvolver em profundidade até à cota 40 (altitude, em metros), se as recentes crises no setor da construção não tivessem abrandado o ritmo de extração, a Secil estaria já próximo de terminar a sua atividade extrativa nesta Área Protegida e estaria agora praticamente 100% dedicada à sua renaturalização.
De facto, atualmente, o volume de calcário extraído em Vale de Mós B já não é suficiente para as necessidades da Fábrica do Outão. Para não afetar a produção de cimento, a Secil tem recorrido à solução, insustentável do ponto de vista do negócio, de transporte de calcário vindo de outras pedreiras, desde Sesimbra.
No lugar de atempadamente planear o seu fim de vida, a Secil esperou pelo final do jogo para, quase desesperadamente, lançar uma última cartada: o pedido de alteração das regras – os instrumentos jurídicos de ordenamento do território – a seu favor. Em fevereiro de 2023, cumprindo ambições publicamente divulgadas, foi lançada a consulta pública relativa ao Estudo de Impacte Ambiental do “Plano de Pedreira de calcário e marga industrial Vale de Mós A”, consistindo na fusão das suas duas pedreiras em Vale de Mós e na ampliação da área de exploração em mais 18,5 hectares. A Secil desenvolveu estudos e propôs à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT), enquanto autoridade de Avaliação de Impacte Ambiental, e à Direção-Geral de Energia e Geologia, enquanto entidade licenciadora, um Plano de Pedreira que não cumpre a Lei. Para isso, pede a reclassificação do uso do solo para a área de ampliação, compatível com a atividade extrativa, e a modificação do perímetro das pedreiras no Plano Diretor Municipal de Setúbal.
Em resposta à consulta pública, considerando improcedente o pedido da Secil de alteração aos instrumentos de ordenamento e gestão do território de forma a permitir enquadrar a sua pretensão de ampliação da área de exploração, e lembrando a prevalência de um Plano de Ordenamento de uma Área Protegida sobre um Plano Diretor Municipal, a LPN pediu à CCDR LVT a emissão de um Declaração de Impacte Ambiental desfavorável.
Estando para breve a conclusão desse processo, de forma a fechar de uma vez por todas estas feridas abertas na Arrábida, numa perspetiva de desenvolvimento sustentável e de coesão social e territorial, a LPN vem agora solicitar à Secil a apresentação de um plano de desativação das suas pedreiras na Arrábida, bem como um plano de encerramento faseado da Fábrica do Outão e a renaturalização da área afetada.
A LPN considera que a Secil deverá dedicar os seus últimos anos de atividade na Arrábida à conclusão da obrigatória implementação do plano de recuperação e valorização paisagística na área explorada. Bem como à definição de uma estratégia que assegure a adequada continuidade do seu negócio nas outras propriedades onde possua reservas de margas e calcários e licenciamento para a sua exploração. Para tal, deverá beneficiar do conhecimento técnico e científico nas áreas das tecnologias cimenteiras e sustentabilidade adquiridos no Outão, designadamente com o projeto CCL- Clean Cement Line (com data de conclusão prevista para agosto), e com a remobilização dos seus equipamentos e recursos.
A LPN está confiante que, com o devido planeamento, a Secil será bem-sucedida numa solução para os cerca de 200 trabalhadores que ainda emprega na Arrábida, seja por absorção no mercado de trabalho, pela transferência para as suas outras unidades de produção e/ou indemnização por rescisão, beneficiando da capacidade financeira própria que a empresa adquirira, divulgada noutros contextos. Também o contributo da Fábrica do Outão (vocacionada para a exportação) para a economia nacional, será gradualmente substituído pelo do Parque Natural da Arrábida, tanto pela via do setor do turismo, como pelos bens e serviços de ecossistema prestados, que sairão claramente majorados com o fim desta atividade extrativa na serra.
A Coligação C7 é composta pelas seguintes ONGA:
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