O abutre-preto (Aegypius monachus), a maior ave de rapina da Europa, não impressiona apenas pelo seu tamanho. Atinge a maturidade sexual apenas com cinco ou seis anos de vida, e tem apenas um ovo por postura. É também admirável que seja tão fiel ao seu território de nascença – são aves filopátricas -, regressando habitualmente, como adulto reprodutor, à região do seu ninho de nascença. Assim, é necessário garantir que o habitat tem qualidade e locais de nidificação para receber mais aves e mais casais.
Esta espécie constrói o seu ninho no topo de árvores, organizando uma plataforma sólida constituída por pedaços de madeira, ramos, e vegetação, por vezes com mais de dois metros de diâmetro! A época de reprodução leva cerca de 9 meses, desde os primeiros comportamentos nidificantes, sensivelmente em janeiro, até à independência das crias, geralmente em setembro ou outubro, o que deixa uma muito curta janela temporal para que os técnicos de conservação possam aproximar-se dos ninhos sem causar perturbação. Assim, é durante o outono que as equipas fazem uma prospeção aos ninhos, avaliando se estão degradados, se apresentam algum risco de colapso ou um impedimento de acesso para as aves. Nestes casos, são efetuadas ações de reforço e manutenção.
Por outro lado, sendo esta espécie ainda relativamente rara no nosso país, outra medida de conservação recorrente é a instalação de plataformas-ninho artificiais, reforçando a disponibilidade de locais de nidificação e promovendo o sucesso reprodutor em áreas com habitat favorável à espécie. Nestes casos, reforçam-se árvores com postes e cestos metálicos que mimetizam as condições naturais de que as aves necessitam para nidificar.
Neste outono, as equipas do projeto LIFE Aegypius Return concluíram diversas intervenções nas quatro colónias do país. No total, os abutres dispõem agora de mais 14 locais de nidificação e ganharam segurança em 20 já existentes.
Douro Internacional – instalação de nove novas plataformas-ninho e reparação de quatro ninhos existentes
A equipa da Palombar, com a colaboração dos técnicos do Grupo de Intervención en Altura de la Comunidad de Madrid (GIAM, Dirección General de Emergencias - Cuerpo de Agentes Forestales), instalou nove novas plataformas na Zona de Proteção Especial (ZPE) do Douro Internacional e Vale do Águeda, sobre sobreiros, azinheiras e zimbros, reforçando as ações que já haviam feito em 2019 ao abrigo do projeto LIFE Rupis, como resposta de emergência e mitigação do impacto do incêndio de 2017 no Douro Internacional.
As equipas procederam ainda à manutenção de duas plataformas naturais e duas artificiais, através da realização de algumas podas e da organização e reforço de pedaços de madeira, ramos de giesta, rede metálica e recheio com lã de ovelha.
Outros trabalhos no Douro Internacional incluíram a instalação de dois sistemas de ancoragem, que facilitarão o acesso aos ninhos, nas fragas, no futuro, e, ainda, a colocação de uma réplica de um abutre-preto, em tamanho real, para funcionar como chamariz com o objetivo de atrair novos indivíduos reprodutores.
“Foi necessária uma equipa especializada em trabalhos em altura porque, na nossa região, os abutres-pretos constroem muitas vezes os ninhos em cima de árvores que estão junto às ravinas”, José Pereira – Palombar.
Naturalização de uma plataforma artificial com ramos finos, giestas e lã de ovelha. © GIAM
Réplica de abutre-preto instalada numa azinheira. © GIAM
Serra da Malcata – com base nos trabalhos de avaliação feitos pelo ICNF, Rewilding Portugal, Quercus e ATNatureza, estavam previstas duas intervenções de manutenção em ninhos naturais, coordenadas pelo parceiro ATNatureza, mas só foi executada uma.
Um dos ninhos, visto por baixo nas últimas prospeções da área, tinha um aspeto algo frágil. Porém, Samuel Infante, técnico responsável pelas intervenções, ao subir, verificou que o ninho estava bem seguro, possivelmente já reforçado pelas aves, pois tinha também vestígios de uso recente, como ramos verdes e egagrópilas frescas. A época de nidificação iniciou cedo aqui! Assim, foi decidido não intervir neste ninho e abandonar a área o mais rapidamente possível.
Trabalhos de manutenção em ninho natural construído sobre pinheiro-bravo. ©João Monteiro
Material de reforço dos ninhos. ©João Monteiro
Tejo Internacional – manutenção de cinco ninhos existentes
A equipa da SPEA coordenou os trabalhos de manutenção de ninhos e plataformas artificiais existentes na ZPE Tejo Internacional, Erges e Ponsul, também aqui executados por Samuel Infante. Em quatro plataformas de nidificação foram adicionados paus até ao topo do cesto e podados os ramos envolventes, para dar espaço às aves.
As intervenções num ninho natural que foi ocupado em 2023 e está em risco de colapsar lateralmente está ainda em processo. Foi feita a medição da altura da árvore, para que seja preparada uma escora em madeira e assim conferir suporte ao ninho. Curiosamente, outros dois ninhos antigos foram encontrados no chão, nesta mesma localização. Será feita uma segunda visita ao ninho para instalar a escora.
Plataformas-ninho artificiais e trabalhos de manutenção. ©Paulo Monteiro e Quercus
Herdade da Contenda – 10 ninhos mais seguros e 5 novas plataformas
Na Herdade da Contenda, localizada na ZPE de Moura/Mourão/Barrancos, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e a Herdade da Contenda, E.M. levaram a cabo manutenções e reparações de ninhos de abutre-preto, bem como instalaram novas plataformas artificiais de nidificação, com o apoio dos técnicos especializados Carlos Pacheco e Timóteo Mendes. Mais em detalhe, as manutenções consistiram no reforço estrutural de dois ninhos, na realização de podas e/ou a colocação de material vegetal adicional em cinco ninhos e na reconstrução total de três ninhos.
Um destes ninhos teve de ser reconstruído, porque havia caído na sequência de duas tempestades sucessivas que assolaram a Herdade da Contenda em outubro passado; uma outra intervenção deveu-se a um colapso que, inclusivamente, tinha causado a queda e morte de uma cria no verão passado.
Cinco novas plataformas artificiais foram também instaladas, em pinheiros-bravos. Uma destas veio substituir um anterior ninho cuja árvore de suporte tinha sido derrubada pelas tempestades de outubro.
Construção de plataforma-ninho artificial. ©LPN
Ressalvamos que todas estas intervenções são realizadas por técnicos especializados, habilitados para o efeito, em condições de alta segurança, garantindo que nenhuma ave é perturbada, e contam com a devida autorização do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.
Finalizados os trabalhos de manutenção dos ninhos existentes e de construção de novas plataformas artificiais para abutre-preto, decorre já a monitorização da época de reprodução de 2024, com todas as equipas no terreno e seguindo o protocolo definido no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return.
O projeto LIFE Aegypius Return pretende consolidar e acelerar o regresso do abutre-preto em Portugal e Espanha ocidental, através da melhoria de habitat e da disponibilidade alimentar, e da minimização das principais ameaças com ações de capacitação das entidades e agentes nacionais. A equipa do projeto vai implementar ações de conservação específicas em dez áreas Natura 2000 ao longo de quase toda a fronteira entre Portugal e Espanha, com o objetivo de duplicar a população de abutre-preto em Portugal para 80 casais em 5 colónias e, assim, baixar o estatuto nacional da espécie de Criticamente em Perigo para Em Perigo até 2027.
O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia. O seu sucesso depende do envolvimento de todos os stakeholders relevantes, e da colaboração dos parceiros, a Vulture Conservation Foundation (VCF), beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.
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