Durante o mês de julho, 15 crias de abutre-preto nascidas este ano nas quatro colónias portuguesas foram marcadas com emissores GPS, no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return. Como se processa a operação de marcação de crias? Que tipo de informações são recolhidas e de que forma permitem melhorar o estado de conservação da espécie em Portugal? Neste artigo, revelamos passo a passo a metodologia utilizada no projeto LIFE Aegypius Return.
© David Rodriguez
Como se marcam crias de abutre-preto no ninho?
As equipas de monitorização, em campo desde o início do ano, acompanharam toda a época reprodutora da espécie nas quatro colónias de abutre-preto do país, localizadas no Parque Natural do Douro Internacional, na Reserva Natural da Serra da Malcata, no Parque Natural do Tejo Internacional e na Herdade da Contenda. Além do seguimento dos casais reprodutores conhecidos, foram identificados novos ninhos em todas as colónias. Os técnicos acompanharam a evolução das crias no ninho, o que permitiu determinar o momento mais adequado para as marcações, com base na idade das crias.
© David Rodriguez
Neste projeto, “marcação” consiste em três diferentes procedimentos, que permitem obter informações distintas.
1) Anilhagem Científica
A marcação mais comum em projetos de ornitologia é a anilhagem científica, em que se coloca numa das patas da ave uma pequena anilha metálica com um código identificador único, que funciona como uma espécie de “Bilhete de Identidade” para a ave. Sempre que existir um novo contacto de proximidade com aquela ave em particular – viva ou morta – e em qualquer local do mundo, é possível consultar os seus dados, como a idade, género, peso, locais de registo, entre outros, permitindo aferir sobre a sua longevidade e os movimentos.
As anilhas, em Portugal, são emitidas pelo CEMPA - Centro de Estudos de Migrações e Proteção de Aves, organismo que integra o ICNF e que gere as bases de dados associadas às anilhagens feitas no nosso país. A anilhagem de aves está restrita a técnicos experientes e devidamente acreditados para o efeito.
2) Utilização de anilhas em PVC, para facilitar a leitura à distância.
Alguns projetos, como o LIFE Aegypius Return, recorrem também à colocação de anilhas muito leves, em PVC, com um código de cores. Estas anilhas são um pouco maiores que as metálicas e permitem a obtenção de informação observando as aves à distância.
© David Rodriguez
3) Colocação de emissores GPS
Ao longo do projeto LIFE Aegypius Return, 60 abutres-pretos serão marcados com um pequeno emissor GPS equipado com um acelerómetro e um mini painel solar, que o mantém funcional. Este dispositivo pesa cerca de 50 gr, irrelevante para uma espécie que pode ultrapassar os 11 kg de peso, e permite adquirir informação valiosa para a conservação destes abutres. Os emissores enviam informação sobre a localização exata da ave, em tempo real, e também sobre os seus movimentos, a posição e a temperatura, permitindo perceber quando a ave se está a alimentar, em repouso ou, por exemplo, se está imóvel ou envolvida nalguma luta. Os dados recebidos permitem tirar conclusões sobre fatores de ameaça e possibilitam uma atuação muito rápida por parte das equipas técnicas locais, em caso de necessidade.
© Hawk Mountain Sanctuary/LIFE Aegypius Return
No caso de ser detetado um abutre-preto (espécie prioritária, em termos de conservação) em risco, os técnicos do projeto informam de imediato o ICNF e a Guarda Nacional Republicana (GNR), que irão avaliar a situação e, se necessário, recolhê-lo e transportá-lo até ao Centro de Recuperação de Animais Selvagens (CRAS) mais próximo. Recentemente, 135 agentes do Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente (SEPNA/GNR) participaram em sessões de capacitação para consolidar conhecimentos em resgate e manuseamento de abutres-pretos detetados em situação de risco.
O que fazer quando encontrar uma ave debilitada ou em perigo em Portugal?
No caso de encontrar uma ave, ou outro animal ferido ou em perigo, deve informar as autoridades através da linha SOS Ambiente e Território da GNR / SEPNA, para o número 808 200 520.
Que mais informações obtemos durante a marcação de crias?
Contactar diretamente com aves tão impressionantes e sensíveis quanto o abutre-preto é uma oportunidade única, que deve ser otimizada o mais possível para a obtenção de informação científica que auxilie na tomada de decisões para a sua conservação. No âmbito do LIFE Aegypius Return, todos os abutres-pretos com que as equipas contactam são sujeitos a um exame médico-veterinário, para avaliar a sua condição corporal, o estado de saúde geral e a eventual presença de lesões, doenças ou parasitas.
© Milene Matos e © David Rodriguez
É também feita a medição de várias biometrias que incluem o comprimento do bico e o tamanho da asa, por exemplo , e são recolhidas amostras biológicas de cada ave, que permitem posteriormente, em laboratório, determinar o sexo e fazer análises bioquímicas, hematológicas, genéticas e toxicológicas. Estes estudos possibilitam, por um lado, obter dados de referência, e, por outro, detetar doenças ou eventuais causas de risco ou de contaminação.
As análises genéticas permitem ainda verificar a linhagem de cada indivíduo e, no conjunto, entender dinâmicas populacionais e de reprodução entre colónias e regiões. Todas estas informações são fundamentais para melhor compreender a espécie e as ameaças que enfrenta, possibilitando uma gestão mais rigorosa e informada das medidas de conservação implementadas.
© Milene Matos
© David Rodriguez
A importância de marcar abutres-preto com emissores GPS
Quando as crias marcadas ganharem autonomia dos progenitores e saírem do ninho, a informação recebida pelos seus emissores GPS será fundamental para estudar os movimentos de dispersão da espécie, detetar eventuais novas áreas de assentamento ou atuar rapidamente, em caso de suspeita de uma potencial situação de risco. Os dados recebidos vão permitir ainda identificar áreas prioritárias para a redução do risco de colisão ou electrocução com infra-estruturas elétricas, através da instalação de marcadores e isolamento dos postes de eletricidade.
Ao longo do projeto LIFE Aegypius Return serão marcados e processados 60 abutres-pretos em Portugal, como as 15 crias marcadas este ano, mas também adultos e juvenis que deem entrada em centros de recuperação e que poderão vir a ser encaminhados para soft release, com vista ao reforço populacional da frágil colónia do Douro Internacional, como já aconteceu com o abutre-preto apelidado de Zimbro, devolvido à natureza em março deste ano.
© David Rodriguez
Diminuir ameaças para a salvaguarda do abutre-preto em Portugal
Para melhorar a taxa de sucesso de cada época reprodutiva, são feitas intervenções de melhoria dos ninhos existentes e instalados ninhos artificiais em potenciais áreas de nidificação. Tenta-se também assegurar que as perturbações antrópicas são reduzidas ao mínimo junto dos ninhos, durante todo o período de reprodução.
Com o objetivo de duplicar o número de casais reprodutores em Portugal até 2027, os parceiros do projeto, em parceria com outras organizações, estão a implementar medidas de mitigação de fatores de stress e causas de mortalidade para a espécie. São exemplo as sessões de capacitação com agentes da autoridade responsáveis pelo resgate de animais selvagens, que decorreram este ano. Para reduzir o perigo de envenenamento por chumbo, foram organizadas sessões de informação e serão realizadas ações de treino em balística com munições alternativas (sem chumbo), dirigida a caçadores e gestores de propriedades de caça.
Sobre o projeto LIFE Aegypius Return
O projeto LIFE Aegypius Return pretende consolidar e acelerar o regresso do Abutre-preto em Portugal e Espanha ocidental, através da melhoria de habitat e da disponibilidade alimentar, e da minimização das principais ameaças com ações de capacitação das entidades e agentes nacionais. A equipa do projeto vai implementar ações de conservação específicas em dez áreas Natura 2000 ao longo de quase toda a fronteira entre Portugal e Espanha, com o objetivo de duplicar a população de Abutres-preto em Portugal para 80 casais em 5 colónias e, assim, baixar o estatuto nacional da espécie de ”Criticamente Em Perigo” para ”Em Perigo” até 2027.
O projeto LIFE Aegypius Return é confinanciado pelo programa LIFE da União Europeia. O seu sucesso depende do envolvimento de todos os stakeholders relevantes, e da colaboração dos parceiros, a Vulture Conservation Foundation (VCF), coordenador beneficiário, e os parceiros locais Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.
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