Um sol resplandescente na baía de Setúbal aviltrava uma manhã de sábado agradável para uma viagem pelo património natural e cultural do Estuário do Sado a bordo do Galeão Maravilha do Sado.
Navegar no Sado eleva-nos para um estado místico e poético. É estar no contacto com muitas rotas naturais e culturais enriquecidos com a imponência da cordilheira da Arrábida, pelo Portinho da Arrábida e a restinga arenosa de Tróia. Tudo isso acrescido de se estar sobre fundos dos mares com cavalos-marinhos ou de ocasionalmente nos podermos cruzar com a colónia residente de roazes corvineiros. Tudo isso tornava esta viagem num desafio permanente de diálogo entre os dinamizadores e participantes.
Na verdade, havia tanto para dizer neste santuário tão rico de fauna e flora condicionada pela geodiversidade e clima. A sua rica biodiversidade porém sofre permanentemente riscos, como a poluição, as dragagens, o turismo e a pesca não sustentável, as alterações climáticas pelo que importava nesta viagem, para além de se apreciar a beleza paisagística, caraterizar o Estuário do Sado, a Arrábida e a restinga de Tróia.
Depois de caminharmos atá ao molhe exterior da Doca dos Pescadores, em Setúbal lá encontrámos o Galeão – Maravilha do Sado, embarcação tradicional dos anos 50, que anteriormente realizava travessias comerciais entre Setúbal e a Comporta, que recentemente foi recuperada pela Câmara Municipal de Setúbal e transformada num equipamento direcionado para iniciativas pedagógicas e educativas, bem como de valorização de atividades relacionadas com o mar e a preservação ambiental.
Galeão Maravilha do Sado. Fotografia de Carla Simões.
E pelas águas límpidas o Galeão iniciava a viagem, cruzando rio junto à margem direita com a serra de São Luís ao fundo avistávamos o altaneiro e classificado Monumento Nacional - Castelo de S. Filipe. Uma obra de arquitetura militar de realce, onde se imagina o contraste de implementação da linha defensiva litoral desse trecho litoral com o ambiente calmo e vagaroso do caracol endémico Candidula setubalensis descrito no século XIX por Louis Pfeiffer, um médico e naturalista que a descobriu nas proximidades do castelo e que é uma das espécies únicas mundialmente juntamente com a Candidula arrabidensis que vive na serra da Arrábida.
Continuando a nossa viagem pelo canal norte do sado junto à margem direita víamos as enseadas e praias, como por exemplo a praia da Saúde, a de Albarquel com o seu forte do século XVII e a praia da Comenda, cujas margens albergam um antigo povoado romano e onde se erige um palácio cheio de história, onde Jackie Kennedy viveu após o assassinato do marido, em 1963 até chegarmos ao impacte visual que constitui a Fábrica Secil- Outão. Ao longo do trajeto à volta da anterior fábrica foi-se efetuando uma breve explicação sobre a Geologia da serra da Arrábida, do processo de fabrico do cimento proveniente das rochas de calcário de excelente qualidade do Jurássico Superior. Estes calcários têm sido explorados desde o século XVIII, com impactes a nível da paisagem e da biodiversidade embora existam projetos de recuperação das pedreiras e de reflorestação com plantas autóctones.
Passando pelo Hospital Ortopédico pelas águas transparentes azuis, com contornos por vezes esverdeados, entramos na área marinha protegida do Parque Marinho professor Luís Saldanha na praia da Figueirinha e que se estende ao longo de 38 km de costa rochosa até à praia da Foz, a norte do Cabo Espichel. Aí o professor destacado salientou a importância das ervas marinhas que constituem as pradarias marinhas conferindo um caráter excepcional dada a elevadíssima biodiversidade existente com mais de 1350 espécies de fauna e flora. Face às elevadas pressões humanas a gestão sustentável desta área é fundamental destacando-se o papel de projetos como o Biomares e os projetos da LPN – Inforbiomares - Sistemas de informação e monitorização da biodiversidade marinha das Áreas Classificadas da Arrábida e Ecofilm - Shellfishing Gestão Ecológica e Sustentável da Apanha de Bivalves.
Forte de Santiago do Outão – Atual Hospital Ortopédico.
Em frente avistava-se o Forte de Santa Maria da Arrábida onde está instalado o Museu Oceanográfico professor Luís Saldanha, onde o visitante pode conhecer a fauna do Parque Marinho da Arrábida e de toda a região onde este se insere e na qual estava patente uma exposição sobre o lixo marinho – Plástico no mar: despertar para mudar.
Museu Oceanográfico Luís Saldanha. Fotografia de Carla Simões.
E qual a evolução recente do Estuário do Sado? Como se carateriza o seu hidrodinamismo, dinâmica sedimentar e o impacto da elevação do nível médio do mar? As respostas a essas questões eram-nos dadas por Pedro Brito, investigador do IPMA. Caraterizando o estuário fornecia-se algumas informações, como por exemplo a evolução da praia do Portinho da Arrábida, demonstrando a sua erosão, e as alterações significativas na qualidade do areal desde o início do século passado bem como o processo sedimentar complexo do estuário do Sado em que a influência do oceano é preponderante face ao reduzido nível de caudal do rio, sendo o escoamento forçado principalmente pela maré.
Pedro Brito - IPMA
E como imaginar que o Tejo e o Sado já foram irmãos? Recuando no tempo geológico, o professor destacado na LPN evidenciava que a elevação da serra da Arrábida provocou a separação dos cursos do Tejo e do Sado pois o pré-Tejo terminava em delta, era uma área imensa que ia até à Lagoa de Albufeira.
Jorge Fernandes - LPN. Fotografia de Carla Simões.
Fotografia de Carla Simões.
A Arrábida constitui um marco na evolução da história da terra – foi ali que começou a abrir-se o Atlântico Norte há milhões de anos, no início da fratura do supercontinente Pangeia e é um simbolo da nossa identidade. E eis chegados junto ao local onde acima se avistava a Pedreira do Jaspe, na mata do solitário onde a LPN teve uma intervenção histórica na defesa destes últimos vestígios de floresta pré-glaciárica.
Virando a trajetória em direção à restinga de Tróia passamos perto da praia do Portinho da Arrábida alimentada pelo delta submarino do Sado como o Pedro Brito tinha mencionado. Serpenteando pelas águas serenas e límpidas a particularidade da Pedra da Anixa apercebemo-nos melhor a sua geoforma e que evidencia a primeira fase de deformação bética (assim designada por ser contemporânea dos movimentos tectónicos que originaram as montanhas Béticas situadas no sudeste da Península Ibérica) da cadeia da Arrábida (Andrade et al, 2010).
Portinho da Arrábida.
Pedra da Anixa.
Observando as grutas nos calcários da serra ocupadas em tempos desde o Homem de Neandertal, Teresa Pereira, do Museu Arqueológico e Etnográfico do Distrito de Setúbal ia-nos reconstituindo uma viagem pelo tempo da ocupação humana que caraterizou esta região, desde as grandes civilizações da antiguidade que por aqui navegaram e por aqui se estabeleceram num rio pródigo em boas pescarias desde o tempo dos romanos
Teresa Pereira – Museu de Arqueologia e Etnográfico do distrito de Setúbal.
Contornando os bancos arenosos e passando pelo Complexo turístico de Tróia, navegámos pela margem esquerda do Sado junto à Reserva Botânica das Dunas de Tróia, onde Teresa Pereira iniciou a descrição da Estação Romana de Tróia que constituía um dos maiores e mais interessantes complexos fabris de conservas de peixe do Império Romano e do Mediterrâneo Ocidental. A estação arqueológica-monumento nacional, tem uma extensão de 2 km e é um espaço arqueológico de realce que para além de outros motivos arqueológicos importantes se destinava à produção de garum (um famoso condimento ao tempo dos Romanos).
Margem esquerda do Sado – restinga de Tróia - Estação Arqueológica de Tróia.
Esta viagem testemunhou a grandiosidade e diversidade da paisagem do Estuário do Sado onde se estabelece uma relação simbiótica entre o património natural e cultural. Possibilitar a ligação do conhecimento às nossas origens e a promoção de uma cultura científica dos cidadãos é o objetivo destas ações da LPN que pensamos ter sido concretizado.
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