Do Rasto das Trilobites ao Voo da Águia Imperial no Geoparque Naturtejo, Geoparque Mundial da UNESCO

Até que ponto já se interrogou de como uma bonita paisagem é formada? Da relação entre a sua dinâmica natural, dos seus valores históricos com o que nós vemos hoje? Que elementos a tornam assim tão exuberante e grandiosa? Esses são os conceitos interpretativos que tornam um local já de belo em sim mesmo, em algo ainda mais grandioso e magnífico! E esse foi o desafio proposto pela LPN para uma saída de campo – ação de formação ao Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional com a colaboração do Serviço Educativo do Geoparque.Decerto vamos desejar lá voltar pois ficou gravado na nossa memória esta saída que a todos nos deixou mais ricos.


Abrangendo um parque natural, três sítios da rede Natura e uma reserva da biosfera transfronteiriça do Tejo, o Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional, o primeiro Geoparque a surgir em Portugal, integrando as Redes Europeia (REG) e Global (RGG) sob os auspícios da UNESCO foi o destino para uma saída de campo – ação de formação da LPN com a colaboração do Serviço Educativo do Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional. 

 
São oito horas da manhã, do dia 12 de maio. Finalmente o Sol irradia após vários dias de chuva. Moldados de curiosidade e movidos por um apelo de conhecer esse belo repositório dinâmico de belas paisagens, recheado de valores culturais e naturais, lá partimos rumo ao Geoparque Naturtejo. Num mundo com 600 milhões de anos, onde já foi mar, varrido por vezes, por ondas enormes, onde divagavam as trilobites (artrópodes, com esqueleto externo e o corpo dividido em vários segmentos, apresentando apêndices articulados) e se podem apreciar atualmente os voos dominantes das aves de rapina, dava uma motivação para nos mantermos despertos para a vivência de uma região que procura fazer da legitimação do seu património natural um fator de valorização económica e social. O Geoparque Naturtejo é um daqueles lugares do planeta que serve de exemplo de integração entre a natureza e a cultura.


O nosso destino era dos 170 sítios de interesse geológico e mineiro inventariados pelo Geoparque, dois dos dezasseis geomonumentos - o Parque Icnológico de Penha Garcia e os canhões Fluviais do Erges, sendo que almoçaríamos no sopé do Inselberg granítico de Monsanto e avistaríamos pelo caminho os Inselbergs de Moreirinha e Alegrios.


O trajeto seria efetuado desde a foz do rio Tejo, junto à “sua suave ondulação” até às zonas mais a montante, junto já à Meseta Meridional. Observando a paisagem multifacetada que decorreria da viagem junto ao rio Tejo e a assimetria geomorfológica das duas margens do estuário possibilitava conhecer a sua história. Por essa razão, coube ao professor destacado na LPN efetuar uma breve introdução de natureza geológica, geomorfológica e descrição de ameaças ao seu equilíbrio dinâmico. Destacou-se os fatores tectónicos que condicionaram a evolução do seu traçado atual mas também se salientou a elevada produtividade biológica do estuário que possibilita ser uma zona extremamente rica em seres vivos em especial de avifauna aquática o que a torna uma das zonas húmidas mais importantes da Europa. No entanto, a bacia hidrográfica do Tejo está sujeita a grandes pressões ambientais e socioeconómicas humanas e é preciso proteger todas as regiões que a água do Tejo atravessa. A esse respeito foram enumeradas algumas das ameaças ambientais mencionadas no relatório de acompanhamento sobre poluição no rio Tejo da Agência Portuguesa do Ambiente realçando-se a necessidade de uma mobilização consciente em Associações, nomeadamente na LPN que é aliás membro do Movimento Pró-Tejo – um movimento de cidadania em defesa do Tejo.

 

Ao fim de aproximadamente três horas de viagem chegávamos às terras do Geoparque e surgia no horizonte marcando vincadamente a paisagem, destacando-se na superfície de aplanação de Castelo Branco, os granitos do geomonumento – Inselberg de Monsanto. Aí, alinhando-nos no sopé do Inselberg de Monsanto sobre colossais bolas e caos de blocos de granito trabalhadas pela erosão nos últimos 250 milhões de anos almoçámos no local mágico e espiritual da capela românica de S. Pedro Vir à Corça irmã de uma outra, a de São Miguel, que se situa já dentro de muralhas, no castelo de Monsanto. “Daqui a uma hora espera-nos a 15 km, na Aldeia de Penha Garcia a dinamizadora Manuela Catana do Serviço Educativo do Geoparque” disse o professor destacado. Entretanto íamo-nos sentando sobre os granitos de duas micas, porfiroide, de grão médio a grosseiro num loca cheio de magia e de lendas que tornavam a refeição mais apetecível abraçando de mais encantos esta saída.

 

“Sacralidade” de S. Pedro de Vir à Corça, sopé do inselberg de Monsanto.

 

Já com o estômago recomposto e com a energia necessária para abordamos a tão desejada primeira etapa partimos em direção à Aldeia de Penha Garcia. No largo da aldeia junto a um veículo blindado que foi usado na revolução dos cravos e uma placa evocativa dos combatentes de Penha Garcia que perderam a vida na Guerra do Ultramar esperava-nos nas suas imediações a Drª Manuela Catana do Serviço Educativo do Geoparque. Rapidamente munida de mapas, e com um grande conhecimento não só científico, como vivencial a Drª Manuela Catana fez-nos um enquadramento-introdução do Geoparque Naturtejo e do Parque Icnológico de Penha Garcia.

 

 

Penha Garcia constitui um local chave para ensinar e aprender a história da Terra e a evolução da vida neste território cujas rochas mais antigas têm 600 milhões de anos”, assim nos dizia Manuela Catana, apaixonada pela região, onde nasceu, vive e trabalha e que foi tema da sua tese de mestrado sobre a valorização e divulgação do Parque Icnológico de Penha Garcia.


Seguidamente começámos a caminhar através do trilho pedestre – Rota dos Fósseis inicialmente sobre o casario de Penha Garcia, restaurado e construído com as rochas mais abundantes da região (quartzito, xisto e alguns granitos). Parámos junto a um pelourinho datado do reinado de D. Sebastião testemunhando que Penha Garcia foi sede de Município e que tem a particularidade de se encontrar assinado pelos seus autores. De repente eis que um aroma atrativo nos fazia sucumbir de curiosidade, numa porta entreaberta no largo da Igreja uma atividade tradicional nos chamava a atenção. Ao ritmo bucólico cozia-se o pão em lenha e se fazia uns bolos tradicionais deliciosos ficando a promessa de lá voltar para apreciarmos as especialidades da região… seguidamente após uma breve paragem de reflexão o caminho acompanhava a encosta sempre a subir pois a curiosidade em ver os icnofósseis e a paisagem com vista para o rio Ponsul imperava. Até que parámos junto ao Miradouro absolutamente soberbo, com a vista geral para o Exomuseu de Penha Garcia, em frente para a albufeira de Penha Garcia, mergulhados na beleza e profundidade do “mar do ordovícico” e do Vale encaixado de vertentes escarpadas do rio Ponsul onde a Drª Manuela se preparava para mais uma explicação sobre a geologia e biodiversidade da região.

 

Miradouro sobre o Vale do Pônsul. Foto: Clara Oliveira

 

Estávamos presenciando o exemplo mais elegante de como a tectónica influenciou uma região observando as rochas inclinadas, algumas camadas quase verticais e as inúmeras dobras e falhas que se atravessavam nos quartzitos e xistos. Acompanhando a explicação da Drª Manuela Catana íamos percebendo como se tinha formado essas rochas dispostas temporalmente em termos regionais numa sequência de camadas do tipo sinclinal – Sinclinal de Penha Garcia formadas na sua maioria entre 480 Ma. e 470 Ma.

 

Sequência de estratos dobrados do Ordovícico. Foto: Maria Emília Martins.


Seguindo o caminho abaixo as imponentes arribas revelavam a espantosa riqueza em fósseis num percurso ao longo do vale. Na sua maioria eram rastos de deslocação de trilobites (Cruzianas) que resultam da busca de alimento por escavação do fundo marinho.

 

Laje com icnofósseis de Cruziana (pista de alimentação de trilobites). Foto: Maria Emília Martins.

 

Observávamos com assombro e incrédulos os imensos fósseis de atividades das trilobites e de vermes, até que chegámos a uma gruta intervencionada pela Junta de Freguesia. Aí a Drª Manuela Catana mencionou que a gruta foi palco de um Workshop “Fósseis de Penha Garcia que Classificação?”, realizada em 2003, durante a qual foi lançado a ideia da criação de um geoparque da rede europeia, no qual se integraria a Naturtejo. Estávamos no berço do Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional! 

 

Junto à Gruta da Lapa do Castelo.

 

Junto à Gruta da Lapa do Castelo.

 

Pormenor de Cruziana – Pista de alimentação de trilobites. Foto: Clara Oliveira.

 

Acompanhando o percurso do rio Ponsul fomos ao encontro dos velhos moinhos de rodízio um exemplo de aproveitamento dos georrecursos. Construídos a uma cota superior à do leito do rio estes moinhos usavam os caudais regulares do rio retidos em açudes e levadas tendo sido restaurados nos últimos anos. Num deles visitámos a “Casa dos fósseis” que contém expostos vários exemplares de icnofósseis e de quartzo.

 

Moinhos de rodízio. Foto: Clara Oliveira.

 

Moinhos de Rodízio e estratos quase verticalizados com espessura métrica de quartzo.

 

O dia ia sendo cada vez mais enriquecedor, pelo caminho, nas rochas viam-se marcas de ondulação e mais icnofósseis como por exemplo, galerias de habitação vertical produzidas por vermes numa enorme quantidade de motivos de interesse natural associados a elementos etnográficos. Mas já se fazia tarde, tínhamos ainda de ir em direção à aldeia de Segura para visitarmos o Canhão Fluvial do Erges e o Centro de Interpretação de Biodiversidade de Terras de Idanha. Mas atenção… não nos podíamos ir embora sem que antes passássemos pela padaria da aldeia para cumprir a nossa promessa de fazer o gosto ao nosso paladar com os bolos tradicionais (bicas de azeite).


Estávamos no fim do nosso percurso, enquanto geólogo, é impossível não apreciar esta paisagem. Mas não é preciso ser-se geólogo para apreciar e constatar as potencialidades naturais que podem ser geradores de desenvolvimento económico e social da região se respeitarmos a natureza e integrarmos as atividades humanas ao seu ritmo. Este exemplo é representado na Aldeia de Penha Garcia que embora tenha perdido população por se situar no interior do País estamos em crer que o turismo de natureza a torna mais rica de vitalidade.


O que podemos aprender com a abundância de icnofósseis e concluir sobre Penha Garcia? Que numa caminhada de dois quilómetros se recua 480 milhões de anos expressando a sua paisagem anterior que testemunha um mar pouco profundo, no qual se depositaram os sedimentos constituídos por areias ricas em quartzo e argilas (que originaram mais tarde os quartzitos e os xistos), onde as trilobites se deslocavam. As trilobites existiam em grande número, com uma grande diversidade de formas que indiciam diversidade de comportamentos expostos com um ótimo estado de preservação. Por essa razão efetuámos um pequeno trilho num local de interesse de âmbito internacional.


De volta ao autocarro na estrada que nos leva até Segura, a técnica do LIFE Imperial da LPN, Raquel Alcaria, começou por descrever um dos projetos LIFE da LPN que tem atuação na área do geoparque e que é referente à proteção da Águia- imperial- Ibérica (Aquila adalberti), uma prioridade da conservação da natureza em Portugal. Entre finais da década de 1970 e inícios da década de 1980 a espécie sofreu um declínio acentuado até ao desaparecimento da população reprodutora. A nidificação só voltou a ser confirmada em 2003 na região do Tejo Internacional, no Geoparque Naturtejo havendo só cerca de 15 casais nidificantes em Portugal. A Raquel Alcaria após descrever algumas caraterísticas biológicas, do habitat e distribuição da Águia Imperial mencionou outras espécies de aves de rapina raras que se encontram no Geoparque, nomeadamente outros ícones de biodiversidade como sejam o abutre-negro (Aegypius monachus), abutre do Egipto (Neophron percnopterus) e a cegonha-negra (Ciconia nigra).

 

Foto: Maria Emília Martins.

 

Nem sempre vemos os abutres com bons olhos. E até ouvimos muitas histórias onde eles são os maus da fita. E nem sempre foi assim, no antigo Egipto eram símbolos poderosos e evocavam a Deusa Nekhbet, divindade heráldica sendo o signo hieroglífico utilizado para escrever a palavra “mãe”. Afinal, são aves que se alimentam de animais mortos nos campos e na verdade contribuem para o equilíbrio do ecossistema. Mas observar um abutre a voar é algo de majestoso. Por isso fomos seguir o rasto dos abutres e outras aves no Canhão Fluvial do Erges, maravilhados encontrámos vários grifos (Gyps fulvus) a voar e pousados nas escarpas.

 

Foto: Maria Emília Martins.

Após observarmos as aves de rapina, avistando a ponte romana que domina o rio Erges e cruza a fronteira fomos visitar o Centro de Interpretação de Terras de Idanha para contextualizar a informação. A geologia ímpar, os seus valores biológicos numa região de pendor histórico, cheia de tradições e cultura, que cumprem os desígnios da UNESCO fazem da visita ao Geoparque Naturtejo uma experiência única. A nossa viagem não acabará porque prosseguirá a sua missão de criar ferramentas para futuros projetos e inspirará as próximas gerações sensibilizando-as para a necessidade de um turismo e desenvolvimento sustentável.

 

 

 

 

 

 

 

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