Segundo diversos estudos de planeamento e arquitetura, as cidades do futuro deverão ser projetadas com a Ecologia a orientar o desenvolvimento. A proteção e valorização dos recursos hídricos, dos solos e do património são fatores fundamentais para a coesão de um território proporcionando vidas mais saudáveis. Tal é o caso da serra de Carnaxide, único espaço verde entre Monsanto e Sintra. Assim a LPN realizou mais uma saída de campo para a população integrada numa ação de formação de curta duração para professores. Dar a conhecer, vivenciando a serra de Carnaxide foi o mote para esta ação onde se torna imperativo a sua salvaguarda e regeneração por forma a se proporcionar à população um espaço de referência social, ambiental e cultural.
O objetivo de uma cidade ou área metropolitana deverá ter como pressuposto as suas valências ambientais transformando-a num espaço de coesão entre as pessoas reunindo-as e tornando a vida mais saudável. A serra de Carnaxide, situada na confluência de três concelhos (Amadora, Oeiras e Sintra) poderá ser um local que possibilite essa reunião entre as pessoas da cidade num espaço com múltiplas funções onde se acolhe a Natureza e se toma proveito dela de forma sustentável. Sendo um espaço de 600 hectares, o nosso percurso era na sua vertente sul, na freguesia de Carnaxide-Queijas, concelho de Oeiras. Outrora, Carnaxide era aprazível sendo um local de férias e de descanso dos nobres graças à fertilidade dos seus solos e às suas óptimas e frescas águas. Hoje, Carnaxide é um espaço próximo de diversas empresas e onde se sente a generalização do alastramento urbano. Possuindo dos melhores solos do País, com rochas porosas que permitem absorver a água como uma “esponja”, só por si, intrinsecamente a serra deverá ser objeto de um plano estratégico de conservação e valorização.
Sabendo que Carnaxide possuía um aqueduto subterrâneo que ligava a zona histórica de Carnaxide frente à Igreja de S. Romão à Mãe de Água, na serra de Carnaxide contactámos o senhor João Figueiredo, anterior funcionário da Câmara Municipal de Oeiras, que vem mantendo o túnel apto a receber as visitas e que permitiu realizar a “aventura” de conduzir o nosso grupo no percurso pelo interior do aqueduto.
Centro histórico de Carnaxide – Local de encontro dos participantes junto à igreja de S. Romão e chafariz. Atrás está o chafariz do século XVIII que recebia água de uma nascente no chamado Sítio das Francesas que alimentava também o chafariz da Buraca, na sua maior parte através de uma aqueduto subterrâneo.
Após uma descrição genérica da freguesia com alguns apontamentos do sr João lá iniciámos o percurso “emocionante” pelo interior do aqueduto mandado construir por D. José I, em 1765. Face ao caudal da água do aqueduto das Águas Livres ser insuficiente para abastecer a capital, a serra de Carnaxide abastecia o Aqueduto de Caneças de água para a capital e por isso foi construído o aqueduto e o chafariz para o povo de Carnaxide. Lá dentro eram 700 metros de escuridão mas as nossas lanternas iluminavam uma obra notável e íamos apercebendo que mesmo numa altura de seca meteorológica, ali a água escorria pelos nossos pés bem fresca.
Percurso pelo interior do aqueduto de Carnaxide. Fotografia de Luís Cardoso.
Exemplo de uma importante obra pombalina, o Aqueduto de Carnaxide é desde maio de 1998 classificado como Monumento Nacional sendo visíveis, à superfície, as três clarabóias que iluminam o curso de água subterrâneo.
Aspeto da clarabóia do aqueduto de Carnaxide. Fotografia de Luís Cardoso.
Entre outros episódios emocionantes era possível observar a obra do aqueduto e a textura das paredes de calcário do Aqueduto. Subindo a serra sempre debaixo da terra chegámos junto à Mãe de Água.
Fotografia de Luís Cardoso.
Descansando um pouco junto a um pequeno tanque que serve de reservatório das águas da nascente sentámo-nos nos bancos de pedra satisfeitos refletindo sobre aquele território algo misterioso mas cheio de história em simbiose com uma natureza pródiga em água e vida.
Fotografia de Luís Cardoso.
Frequentada outrora por damas da nobreza, a Mãe de Água situada junto à nascente, hoje está à mercê do vandalismo. A sua visitação e preservação é assegurada apenas pelo sr. João Figueiredo que tem a bonita idade de 79 anos, tornando urgente a sua requalificação e valorização.
Mãe de Água – Serra de Carnaxide. Fotografia de Luís Cardoso.
Chegados à superfície através de uma porta na bonita e trabalhada estrutura arquitectónica da Mãe de Água, de repente somos surpreendidos com uma luz que nos iluminava no bonito espaço verde da serra contrastante com a selva urbana que alastra na área metropolitana e que por vezes permitia em algumas clareiras avistar-se o azul deslumbrante do estuário do Tejo.
Fotografia de Luís Cardoso.
A primeira impressão ao chegar ao espaço verde da vertente sul da serra é de se ter um espaço de biodiversidade rico, com plantas autóctones como por exemplo sobreiro (Quercus suber), zambujeiro (Olea europaea var. sylvestris), carrasco (Quercus coccifera), Pinheiro manso (Pinus pinea), Freixo (Fraxinus excelsior) e outras espécies que enriquecem o local. Caminhando pela serra conduzidos por Daniel Martins e com as explicações de algumas espécies da flora pelo professor destacado na LPN ia-se observando e efetuando referências a algumas espécies de flora e fauna existentes na serra interrogando-se de quais seriam os projetos futuros e decisões relacionados com aquele espaço.
Fotografia de Luís Cardoso.
Essa sensação de “local expectante” ia–se avolumando por parte dos participantes. à medida que se observava pilares com números no solo e guindastes possivelmente anunciando infraestruturas para futuras construções, a exemplo das já anteriormente programadas como sejam o empreendimento SkyCity situado no concelho da Amadora um dos concelhos mais urbanizados do país.
Exemplo de uma marco com um número no solo da serra de Carnaxide.
Clarabóia na serra de Carnaxide. Fotografia de Luís Cardoso.
Serra de Carnaxide. Fotografia de Luís Cardoso.
Serra de Carnaxide. Fotografia de Luís Cardoso.
Continuando avistávamos as outras claraboias do aqueduto e vivenciava-se os benefícios daquele espaço verde que embora pouco utilizado pelas pessoas criava zonas de sombra e possibilitava um convívio entre os participantes ao longo da caminhada.
Ao longo da caminhada efetuou-se também uma atividades de trabalho de campo relacionadas com a qualidade do solo. O professor destacado exemplificou que o solo era ligeiramente alcalino, de boa qualidade estando de acordo com as rochas de que fazem parte da sua constituição resultantes do magmatismo que ocorreu na serra ligado às erupções do Complexo Vulcânico de Lisboa-Mafra e que chegam a atingir ali as maiores profundidades da zona de Lisboa (100 metros de profundidade sobrepostos aos Calcários enquanto na serra de Monsanto o manto basáltico apresenta 30 metros de profundidade máxima).
No entanto também víamos que a serra estava ser cada vez mais ocupada por infraestruturas… Sentia-se que aquele espaço verde, tão perto do centro histórico de Carnaxide, como resultado da expansão urbana se encontrava incompreensivelmente algo desligado da população.
As pessoas, inexplicavelmente, não se encontravam a passear ou a desfrutar a serra e muitas encontram-se alheados a viver ou a trabalhar a seu lado, desconhecendo-a. Depois de uma reflorestação efetuada nos anos 80 na serra, esta, não se apresenta incorporada no tecido social constituindo-se como um local separado dos aglomerados urbanos em redor.
Um dos participantes na ação - Daniel Martins, o professor Eugénio Sequeira e outros cidadãos têm manifestado por diversas vezes a sua preocupação face à ameaça que pode imperar com a alteração do PDM do concelho de Oeiras em 2015, que foi aprovado um pouco antes da meia-noite e onde entrava uma nova Lei de Solos mais restritiva em termos de edificação/construção. Estando integrada como REN – Reserva Ecológica Nacional no PDM de 1994, a serra corre o risco de ser classificado como solo urbanizável.
Os solos da serra de Carnaxide são solos classificados como Vertissolos e embora tivessem tido uma ocupação agricola intensa, a exemplo do que aconteceu na serra do Monsanto, são solos bastante férteis que pela sua capacidade de armazenamento de água previnem cheias /inundações se não forem compactados e selados.
Qualquer que seja uma intervenção nesse território a proteção e conservação dos solos e a proteção das fontes hídricas deverá ser a prioridade colocando um travão aos apetites vorazes de edificações. Na área metropolitana mais populosa do País no qual os cidadãos portugueses de acordo com o documento divulgado pelo Eurostat revelam estarem entre os europeus menos satisfeitos com os espaços verdes à sua disposição nas cidades e no qual segundo o qual 43,6% da população nacional vive em grandes centros urbanos.
Assim na serra de Carnaxide como em outros locais, a existência de parques/matas permite ao mesmo tempo que a água se infiltra no solo, reabastecer o solo freático protegendo os locais das cheias e combater as alterações climáticas.
Por outro lado, preservando e cultivando os solos agrícolas faz parte dos currículos das escolas onde o valor da agricultura biológica e sustentável permite a obtenção dos géneros da região e viabilizar vidas mais saudáveis. Trata-se de acolher a serra de Carnaxide e colher as suas potencialidades naturais dentro de si.
Pensamos que as decisões deverão proporcionar uma ligação da serra de Carnaxide às populações através de programas de planeamento que cumpram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável contemplando as vertentes educativas, culturais e ambientais e não ficarem dependentes de programas estratégicos financeiros.
Pensamos que com esta ação de aventura no aqueduto e de contacto com a serra de Carnaxide despertou nos participantes uma dinâmica de ação e uma ressonância para futuras iniciativas. A esse propósito está previsto já um evento de convívio da população, no próximo dia 4 de maio contando com a participação de diversas associações e organizações civis e entre as quais naturalmente a LPN.
Artigo de opinião - Jorge Fernandes.
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