Legenda da fotografia: Apresentação do jardim Botãnico da Ajuda pela diretora Ana Luísa Soares.
Na Lisboa ocidental entremuros com o ritmo da cidade há um tesouro da natureza e de história escondido entre a Calçada da Ajuda e a Calçada do Galvão. Trata-se do Jardim Botânico da Ajuda, o mais antigo do país, criado há mais de 250 anos e que foi pioneiro do ensino da História Natural a nível europeu no século XVII.
Dar a conhecer a biodiversidade urbana é um dos objetivos da LPN e não podia ser melhor esta escolha pois o Jardim Botânico da Ajuda permanece em segredo na cidade sendo poucos os “alfacinhas” que o conhecem. Constituindo uma verdadeira infraestrutura para a investigação e ensino é um verdadeiro laboratório natural oferecendo ao público em geral e aos vários níveis de ensino escolar uma série de visitas e atividades de educação ambiental.
Ao percorrer as ruas cheias de luz de uma manhã de sábado, junto ao vizinho Palácio da Ajuda, emergia um muro contínuo até encontrar-se um portão. Aí tal como a metamorfose dos insectos, de repente surgiu-nos um jardim exuberante, nascido real, com uma arquitectura de modelo renascentista e ornamentos de influências marcadamente barrocas dispondo ainda de uma vista deslumbrante para o estuário do Tejo.
Hoje os participantes eram na sua maioria constituídos por professores no âmbito de uma ação de formação de professores de curta duração. Esta visita seria uma oportunidade para se tomar conhececimento da biodiversidade do jardim que reúne mais de 1600 exemplares de botânica. Iríamos viajar pelo mundo fascinante dos insectos, do seu papel como agentes polinizadores, bem como das potencialidades do jardim Botãnico da Ajuda como equipamento de investigação e educativo, como por exemplo das iniciativas desenvolvidas com alunos de todos os níves de ensino do jardim Botânico da Ajuda.
Ao entrarmos pelo portão do jardim é impossível não se abrir os olhos de admiração perante o contraste da sua tranquilidade e paz face ao trânsito automóvel e ritmo da cidade no seu exterior. Inicialmente somos recebidos pela diretora do Jardim, a arquitecta Ana Luísa Soares num pequeno anfiteatro no exterior.
Após a aresentação efetuada e introdução eis que somos interrompidos com o piar intermitente de uma cria de pavão que se tinha afastado da sua mãe e restantes crias que nos foram receber à nossa entrada no jardim.
Entrada do Jardim Botânico da Ajuda – pavão e suas crias.
Somos elucidados pela Ana Luísa Soares que esses pavões foram introduzidos provavelmente no tempo da D. Maria I, e para espanto de todos nós parece que devem ter aprendido a cruzar a estrada de geração para geração porque, atualmente, “cumprem as regras de trânsito como ninguém”.
Após uma apresentação sobre o jardim somos guiados pela Ana Luísa Soares admirando as flores rosas da schotia afra, planta originária da África do Sul e que é o único exemplar presente num jardim botânico na Europa. Mais à frente a Sumaúma (Ceiba pretanda) , a árvore oficial do Porto Rico, que se destaca pela sua altura, porte e beleza, com as suas raízes tubulares. É uma árvore sagrada sendo considerada a “mãe das árvores” pelos indígenas da Amazónia estando presente na mitologia Maia. O seu tronco é revestido de espinhos (acúleos) e por isso, “havia histórias sobre amarrarem os escravos a estas árvores”.
Caminhando pelo tabuleiro inferior do jardim, com vista para uma zona mais romântica onde as damas e príncipes antigamente passeavam, o espaço é percorrido por plantas ornamentais como a Árvore de Júpiter (Lagerstroemia Indica), originária da China, cujas folhas fazem lembrar a murta. Com umas flores rosa de pétalas onduladas apresentam-se esplendorosas ao sol, junto às sebes de buchos (Buxus sempervirens) que caraterizam o jardim, estando geometricamente perfeitas, ainda plantadas sob a sua forma original e rodeadas por Araucárias e Figueira da India. O centro do tabuleiro inferior é marcado pela enigmática fonte das 40 bicas, também conhecida por fonte das serpentes, pois no conjunto escultórico está decorada com 3 serpentes, a escultura mitológica do deus grego dos oceanos, Neptuno e por outras esculturas laterais de golfinhos aparecendo no no topo cavalos marinhos que simbolizam o dom de fazer brotar fontes com um golpe da sua cabeça.
Projetado pelo naturalista italiano Domingos Vandelli o jardim foi aberto ao público no reinado de D.Joâo VI. Na figura escadaria principal com a estátua que representa provavelmente o príncipe D. José. Fotografia de Eduarda Costa.
Em frente a um pequeno lago, uma árvore imponente se distingue, uma Figueira da Austrália ou estranguladora (Ficus macrophyla) com o seu sistema radicular muito escultórico, porém agressivo, que com as suas raízes aéreas se transformam em troncos secundários. A germinação das suas sementes ocorre geralmente na copa de uma árvore hospedeira. A nova planta emite raízes que após tocarem o solo permitem que se torne autónoma e acabe por estrangular o hospedeiro.
Paramos junto a um dragoeiro frondoso com uma copa muito densa e apreciando as espécies botânicas trazidas pelos nossos navegadores, Ana Luísa Soares vai descrevendo a rica história do jardim botânico que em 1768 marcou o início do estudo científico sistemático das coleções botânicas. Destaque para o papel do naturalista Domingos Vandelli que projetou o jardim, mandando vir sementes de plantas vivas e sementes de todo o mundo e mais tarde a listagem das espécies existentes por Avelar Brotero.
Sombra de um dragoeiro com uma copa frondoso. Fotografia de Eduarda Costa.
Integrando o instituto superior de Agronomia, Ana Luísa menciona algumas das atividades que o constam no programa educativo do Jardim Botânico da Ajuda com visitas guiadas para alunos do secundário, com temas relacionados com o que estão a aprender na escola, e programas pensados para crianças a partir dos 3 anos.
Mais acima destaca-se um dragoeiro (Dracaena draco) com 400 anos com 23 metros de copa e que parece envolver uma estrutura em ferro. Segundo a diretora Ana Luísa Soares essa foi a solução encontrada por um “especialista em árvores” para a planta quando foi atacado por um fungo, apodrecendo e deixou cair alguns ramos em 2006.
Dragoeiro (Dracaena draco) com 400 anos envolvido com uma estrutura em ferro. O dragoeiro é uma planta emblemática da Macaronésia e tem fama de viver muito tempo. Segundo o naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), o famoso dragoeiro de Orotava, em Tenerife, derrubado por um tufão, em 1867, teria mais de 6000 anos.
Ana Luísa Soares alerta-nos para outra das ameaças nas plantas que constitui o escaravelho das palmeiras. Logo à entrada tínhamos visto um tronco de uma palmeira cortado de diâmetro considerável e obeservavam-se algumas palmeiras em tratamento com tubos de plástico colocados. Os danos são produzidos fundamentalmente pelas larvas que se alojam no interior da palmeira e que se alimentam nesta, já que os adultos são responsáveis pela reprodução e colonização de novos territórios. Mas os insectos têm um papel muto importante nos ecossistemas, para isso contámos com a participação do entomólogo Gonçalo Costa que iria analisar “à lupa” esse mundo complexo dos insectos e levar-nos à sua descoberta.
Introdução ao estudo dos insectos pelo entomólogo Gonçalo Costa.
Com um entusiamos cativante, fazendo parte de uma nova geração de biólogos foi-nos conduzindo ao mundo dos insectos embora eles sejam um pouco detestados pelas pessoas a sua importância é grande pois ajudam à decomposição da matéria orgânica e são essenciais para o equilíbrio das cadeias cadeias alimentares. Além disso muitos insectos, tais como as borboletas abelhas, vespas, besouros e muito outros , contribuem para a reprodução de algumas plantas. Estima-se que sejam responsáveis pela polinização de cerca de dois terços do total das angiospérmicas.
Fotografia de Eduarda Costa.
Viajando pelo mundo dos insectos fomos transportados para uma outra zona do tabuleiro superior do jardim acessível num patamar rebaixado constituído por três canteiros sobrelevados, separados por caminhos, dois centrais e um periférico, onde as plantas são identificadas por placas metálicas com a sua designação também em braille, o que o alarga o seu âmbito didático a visitantes invisuais. Espaço por excelência das atividades para famílias, o Jardim dos Aromas é a “casa” das plantas aromáticas e medicinais, local onde se apuram os sentidos para identificar as plantas utilizadas. Aí apreciámos por exemplo o sabor doce da planta Stevia rebaudiana ou o sabor a leitão da Rúcula (Diplotaxis muralis) para além dos aromas que se propagavam pelos nossos sentidos.
Gonçalo Costa acabou por nos divulgar que possui uma startup dedicada á produção de insectos para alimentação humana tendo-nos surpreendido com algumas revelações do que poderá ser a culinária do futuro utilizando insectos… mas a surpesa do dia ainda estava por chegar… numa caixa trazida pelo Gonçalo Costa estavam duas baratas de estimação que nos foram colocadas nas nossas mãos.. a simpática barata de Madagáscar (Gromphadorhina portentosa), um das maiores espécies de barata que chega a atingir cerca de 5,08 cm a 7,62 mm e a colorida e “elegante” Javanica - (Elliptorhina javanica). Pois bem… comportam-se como animais domésticos não fugindo da nossa presença. Confesso que depois desta experiência fiquei a ter uma noção diferente das baratas…
Barata de Madagáscar (Gromphadorhina portentosa). Fotografia de Helena Collaço.
Barata de Madagáscar (Gromphadorhina portentosa).
Javanica (Elliptorhina javanica).
E com esta experiência nova saímos do Jardim Botânico da Ajuda desejando voltar num outro dia, não só com a nossa família e amigos, como no caso dos professores, com os alunos pois trata-se na verdade de um Centro de Educação Ambiental. Com um programa educativo variado numa área que constitui um pequeno “pulmão” no meio do espaço edificado, contribuindo para a noção de uma estrutura verde da cidade como um espaço homogéneo integrado. Este jardim é um exemplo de como se torna o ambiente humano inerente ao tema da conservação da biodiversidade visando a melhoria da qualidade de vida e bem estar humano.
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