Primeiro abutre-preto nascido em Portugal após extinção foi recapturado no PN do Tejo Internacional

Como parte de seu trabalho científico, a Quercus armou uma armadilha para capturar abutres adultos e jovens no campo de alimentação de aves necrófagas do Monte Barata, no Parque Natural Internacional do Tejo (PNTI). O objetivo era identificar, anilhar e extrair amostras biológicas para estudar a condição das aves. Entre um bando de Grifos (Gyps fulvus) capturado, os técnicos da Quercus estavam longe de imaginar que um abutre-preto adulto (Aegypius monachus) também cairia na armadilha... o primeiro abutre-preto nascido em Portugal, em 2010, no PNTI!

 

O abutre-preto esteve extinto em Portugal, como reprodutor, durante 40 anos

No início do século XX, o abutre-preto ocorria em toda a Península Ibérica. Na década de 1970, a perseguição direta, a degradação do habitat, incidentes de envenenamento e outras ameaças antrópicas, levaram à extinção do abutre-preto enquanto espécie reprodutora em Portugal. Uma década depois, entendendo o estado crítico da população ibérica, ações de conservação começaram a ser implementadas em Espanha, o que permitiu uma lenta recuperação da espécie.

 

À medida que a população crescia em Espanha, alguns indivíduos começaram a aventurar-se em Portugal. Finalmente, em 2010, as primeiras duas tentativas de reprodução foram registadas no Parque Natural Internacional do Tejo, uma área protegida transfronteiriça e refúgio para inúmeras aves. Pela primeira vez em 40 anos, dois casais estabeleciam-se em Portugal! Ambos produziram uma cria; no entanto, as suas habilidades de construção de ninhos eram ainda rudimentares, e os dois ninhos desabaram quando as crias eram ainda demasiado jovens para voar.

 

“Carolice e muita determinação” ajudam a salvar as primeiras crias de abutre-preto em Portugal

Carlos Pacheco, biólogo de conservação que anilhou algumas das crias de abutre-preto no ninho nascidas este ano em Portugal no âmbito do Projeto LIFE Aegypius Return, acompanhou o nascimento e desenvolvimento das primeiras crias de 2010. Foi ele quem deu a notícia que uma das crias teria caído do ninho. Iniciou-se uma busca de campo, mas, apesar dos esforços, a cria não foi encontrada e, muito provavelmente já estaria morta. Mas Carlos não perdeu a esperança. Com “carolice e muita determinação” voltou a procurar a cria uma semana depois... e encontrou-a!

 

 

Tejo, uma das primeiras crias de abutre-preto que nasceu na Natureza, em Portugal em 2010 e caiu do ninho. © Paulo Monteiro

 

 

Tejo, a cria de abutre-preto que sobreviveu uma semana no chão

Quando uma cria cai do ninho, o seu destino está muitas vezes condenado: os progenitores não podem cuidar da cria nem trazê-la de volta ao ninho, e eventualmente a cria acaba por falecer. Quando Carlos encontrou a cria, apelidada de Tejo, sabia que tinha de colocá-la no ninho o mais rapidamente possível. A cria já tinha sobrevivido uma semana no chão, felizmente os progenitores conseguiam alimentá-la, mas estava demasiado exposta a predadores. Para este trabalho, o Carlos precisava de ajuda. Contactou o Paulo Monteiro (atualmente também a trabalhar no projeto LIFE Aegypius Return, na SPEA) e o Armando Carvalho (à época Diretor do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas no ICNB – Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade – Centro e Alto Alentejo), e reuniram uma equipa de 10 pessoas, pertencentes a várias entidades (Herdade da Cubeira, ICNB e Quercus/CERAS). Construíram uma plataforma artificial, muito rudimentar, mas segura o suficiente para suportar o peso das aves. Após anilhar Tejo, a ave foi colocada na plataforma. Os progenitores reconheceram a cria e começaram imediatamente a alimentá-la.

 

 

A equipa que resgatou o abutre-preto Tejo e ajudou a construir uma nova plataforma de nidificação, no Parque Natural do Tejo Internacional, 2010. © Paulo Monteiro

 

 

Aravil, a segunda cria que também caiu do ninho em 2010

No dia em que Tejo foi colocado na nova plataforma ninho, encontraram a cria do segundo casal também no chão. A cria – batizada de Aravil em homenagem ao rio – estava em muito mau estado e foi levada para o centro de reabilitação CERAS, gerido pela Quercus. Sob os cuidados atentos da equipa liderada por Samuel Infante, a cria recuperou, foi anilhada e marcada com um transmissor VHF, com o apoio da GREFA.

 

Carlos e a equipa derrubaram o ninho desabado e construíram um novo, numa árvore próxima. No entanto, foram aconselhados a não colocar a cria de volta – os pais provavelmente iriam rejeitá-la após tanto tempo longe do ninho. Mas Carlos e a equipa, teimosamente, colocaram a cria de volta, e durante uma longa semana visitaram o ninho diariamente, com uma escada, para a alimentar. Os progenitores, desconfiados, eram vistos a sobrevoar a nova plataforma ninho, e finalmente, uma semana depois, começaram a alimentar a cria novamente. Aravil finalmente saiu do ninho e foi seguido durante o tempo de vida útil do transmissor VHF.

 

 

Abutre-preto Aravil a ser marcado e colocado de novo na nova plataforma de nidificação em 2010, após reabilitação no centro de recuperação de animais selvagens CERAS gerido pela Quercus - PNTI. © Samuel Infante

 

Recapturado no Parque Natural do Tejo Internacional, treze anos depois

Em dezembro deste ano, graças à anilha ornitológica, a equipa da Quercus pôde identificar Aravil. Com o apoio do LIFE Aegypius Return, da Hawk Mountain Sanctuary e da ENDESA, Aravil foi equipado com um transmissor GPS para que os seus movimentos possam ser monitorizados.

 

Capturar um abutre-preto adulto é sempre memorável, mas este encontro em particular foi único. Significa que a cria sobreviveu graças à intervenção da equipa, e que provavelmente faz parte de um dos 44-46 casais que nidificam no Parque Natural do Tejo Internacional!

 

Movimentos do abutre-preto Aravil, adulto, desde que foi capturado e equipado com um transmissor GPS em dezembro de 2023. Tem explorado sobretudo o Parque Natural do Tejo Internacional.

 

 

O que teria acontecido com a espécie em Portugal sem estas intervenções?

Os abutres-preto são filopátricos, como muitas outras espécies de rapinas, o que significa que tendem a voltar ao local onde voaram pela primeira vez, quando atingem maturidade sexual. Se não fosse pela "carolice e determinação" da equipa em 2010, a época reprodutiva teria fracassado e, provavelmente, atrasado o regresso da espécie em Portugal.

 

Atualmente, existem 78-81 casais reprodutores de abutre-preto em Portugal, um valor que duplicou desde os últimos dados conhecidos de 2022. Graças aos esforços coletivos de monitorização de todos os parceiros do LIFE Aegypius Return, sabe-se que a população está a crescer nas quatro colónias, existentes ao longo da fronteira Este com Espanha.

 

O projeto LIFE Aegypius Return tentou já capturar abutres-preto adultos no Douro e na Malcata, mas não teve sucesso. Uma armadilha também será montada no Alentejo, e Samuel Infante da Quercus / CERAS continuará também a montar armadilhas, no Tejo Internacional.

 

"É essencial continuarmos a anilhar e equipar aves adultas com transmissores. Este ano, por exemplo, tivemos um caso de envenenamento perto da colónia do PNTI, numa zona onde os abutres-preto procuram alimento".

 

Monitorizar aves adultas permite identificar incidentes e agir rapidamente para evitar mortalidade desta e de outras espécies.

 

Acompanhe as ações do projeto LIFE Aegypius Return para consolidar a população de abutre-preto em Portugal.

 

 

 

Sobre o projeto LIFE Aegypius return

 

 

 

 

O projeto LIFE Aegypius Return pretende consolidar e acelerar o regresso do abutre-preto em Portugal e Espanha ocidental, através da melhoria de habitat e da disponibilidade alimentar, e da minimização das principais ameaças com ações de capacitação das entidades e agentes nacionais. A equipa do projeto vai implementar ações de conservação específicas em dez áreas Natura 2000 ao longo de quase toda a fronteira entre Portugal e Espanha, com o objetivo de duplicar a população de abutre-preto em Portugal para 80 casais em 5 colónias e, assim, baixar o estatuto nacional da espécie de Criticamente em Perigo para Em Perigo até 2027.

 

O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia. O seu sucesso depende do envolvimento de todos os stakeholders relevantes, e da colaboração dos parceiros, a Vulture Conservation Foundation (VCF), beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.

 

 

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