Desde fevereiro de 2023, o novo regulamento da União Europeia (UE) proíbe a utilização de munições com chumbo nas zonas húmidas e nas suas imediações. Um passo histórico em todos os países da UE, no Liechtenstein, na Noruega e na Islândia, no sentido de minimizar os impactos negativos deste elemento tóxico que ameaça habitats, espécies e põe em risco a saúde humana. Para apoiar os caçadores na transição para alternativas sem chumbo, os parceiros do projeto LIFE Aegypius Return organizaram uma conferência intitulada "Proibição das munições com chumbo em Portugal" no maior certame de caça do país, a Expocaça.
A Expocaça reúne anualmente mais de 22000 visitantes, num certame de três dias destinado a caçadores e amantes da caça. Na edição de 2023, a Associação Nacional de Proprietários Rurais (ANPC), parceira do projecto LIFE Aegypius Return, organizou uma conferência em colaboração com a revista "Caça e Cães de Caça" (C&CC) para debater sobre a aplicação do regulamento da UE em Portugal e a transição para munições sem chumbo.
A conferência, realizada na Expocaça (Santarém) no dia 5 de maio, contou com mais de 60 participantes, entre caçadores, representantes do Instituto Nacional de Conservação da Natureza (ICNF) e muitas outras organizações relevantes para o sector, que partilharam diferentes perspetivas sobre o tema. Os oradores falaram sobre a adoção do regulamento da UE em Portugal (Pedro Santana, IGAMAOT), sobre as implicações das munições de chumbo nas aves aquáticas (David Rodrigues, ESAC Coimbra) e nas aves necrófagas, com a menção dos impactos ecológicos e económicos que estas espécies oferecem à sociedade (Milene Matos, Vulture Conservation Foundation e coordenadora do projeto LIFE Aegypius Return).
Foi dado grande ênfase à transição para munições alternativas, com comunicações dedicadas às características das munições em chumbo, adaptação de armas e eficiência nos diferentes tipos de caça (Pedro Vitorino, C&CC), à perspectiva da indústria sobre as cadeias de produção e aprovisionamento (Susana Silva, Associação de Armeiros de Portugal) e à perspectiva dos caçadores sobre a adoção de alternativas ao chumbo (FENCAÇA). João Carvalho, da ANPC, apresentou ainda a iniciativa dos embaixadores de munições ecológicas no âmbito do projeto LIFE AEgypius Return e convidou o público a participar nas sessões de capacitação e workshops de balística que serão realizados no decorrer do projeto.
O debate final, muito participado, foi uma oportunidade para ouvir as preocupações sobre a implementação do novo regulamento e a sua aplicação na próxima época venatória. Em Portugal, a definição concreta de zonas húmidas e respetiva aplicabilidade do regulamento ainda estão de ser determinadas. Os caçadores pareceram bastante recetivos à utilização de munições alternativas nas zonas húmidas, mas mostraram resistência na eliminação total do uso de munições com chumbo em outros habitats.
O chumbo é um elemento amplamente utilizado em processos industriais, na pesca, na caça e nos desportos de tiro. Cada cartucho de caça contém centenas de projéteis esféricos que se dispersam no ambiente, contaminando o solo e a água. Para a avifauna, é especialmente perigoso: muitas aves aquáticas que ingerem pequenas partículas de pedra que ajudam na digestão acabam por ingerir projéteis de chumbo, confundindo-os com essas partículas. As aves de rapina e necrófagas obrigatórias, como os abutres, são também diretamente afetadas por se alimentarem de carcaças de animais atingidos, que os caçadores não recolheram.
De acordo com a ECHA - Agência Europeia dos Produtos Químicos, 44 000 toneladas de chumbo são anualmente dispersas no ambiente da UE, colocando em risco pelo menos 135 milhões de aves por ano devido à ingestão direta de chumbo de armas de fogo, 14 milhões de aves devido à ingestão secundária e 7 milhões devido à ingestão de equipamento de pesca com chumbo. Como o chumbo não é eliminado dos organismos, os seus impactos estendem-se por toda a cadeia trófica, um fenómeno denominado bioacumulação. As aves necrófagas, com o seu importante papel de remoção de cadáveres dos nossos ecossistemas, são também indiretamente contaminadas pelo chumbo acumulado em animais dos quais se alimentam.
Um estudo realizado em Espanha em 2020, encontrou níveis anormais de chumbo no sangue de várias aves de rapina. Cerca de 30 % dos quebra-ossos (Gypaetus barbatus) e 95 % dos grifos (Gyps fulvus) capturados estavam contaminados. No caso dos grifos, enquanto a maioria se encontrava num estado subclínico (73 % dos grifos capturados), 17,8 % encontravam-se num estado clínico e 4,2 % num estado clínico grave. O estudo também encontrou uma elevada correlação entre a incidência de envenenamento e a época venatória.
Em 2021, outro estudo encontrou chumbo em tecidos de aves, com 44% das aves a apresentarem níveis que excediam os limites. Os autores sugerem que a presença de chumbo tem um impacto na demografia das espécies e identificam as munições de caça como a principal fonte de contaminação de aves necrófagas. A exposição ao chumbo pode ter efeitos subletais nos abutres, afetando o metabolismo com a inibição de processos enzimáticos, impactando os sistemas imunitário, nervoso e reprodutor, e provocando alterações comportamentais relacionadas com a perda de peso e de movimentos. Em casos extremos, pode provocar paralisia e convulsões, e levar à morte do indivíduo.
Raio-X de um Grifo contaminado por projéteis de chumbo.
O projeto LIFE Aegypius Return, co-financiado pelo Programa LIFE da UE, tem como objetivo duplicar a população reprodutora de abutres-pretos ao longo da fronteira entre Portugal e Espanha Ocidental. Os parceiros do projeto estão a trabalhar para melhorar a disponibilidade alimentar, o habitat e as condições de nidificação, mas também para mitigar os incidentes de envenenamento. Serão organizados capacitação sobre crimes ambientais como o uso ilegal de venenos, e serão criadas duas novas brigadas anti-envenenamento dentro do SEPNA, GNR, também parceiro do projeto.
Para reduzir o risco de contaminação por chumbo e apoiar os caçadores na transição para munições alternativas, serão realizadas ações de formação e workshops com especialistas em balística, onde os participantes poderão testar munições sem chumbo. Pretende-se envolver pelo menos 300 caçadores nas diferentes oportunidades formativas e de sensibilização, medidas que foram aplaudidas pelos participantes durante a conferência.
A Conferência foi transmitida em direto na página no Facebook da C&CC e pode ser vista AQUI.
O projeto LIFE Aegypius Return tem um orçamento de 3.7 milhões e é liderado pela Vulture Conservation Foundation em colaboração com a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, a Herdade da Contenda, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, a Liga para a Protecção da Natureza, a Associação Transumância e Natureza, a Fundación Naturaleza y Hombre, a Guarda Nacional Republicana, e a Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.
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