Revelando a geodiversidade e biodiversidade na praia da Bafureira

A geodiversidade e a variedade de espécies do intertidal da plataforma de Cascais revelam-nos segredos naturais de elevada importância ecológica que nos ajudam a compreender melhor o passado e a prevenir os desafios que se abatem sobre o litoral português.   

 

Nesse âmbito, a LPN organizou uma ação de formação na praia da Bafureira, que pretende consciencializar para a proteção do habitat entre-marés e das arribas constituindo-se como um recurso pedagógico, uma vez que permite ser um “laboratório natural” que os professores poderão utilizar para diferentes faixas etárias, por forma a proporcionar aos alunos uma aprendizagem que abrange vários conteúdos.

 

O Litoral de Cascais e a sua zona balnear é tão rica em biodiversidade, cheia de atração para um mergulho no mar, para um passeio à beira mar, que os turistas e mesmo os habitantes, não têm a percepção das alterações ocorridas pelas ações antrópicas ococrridas desde o início do século XX até à atualidade. A alteração da paisagem resultante do aumento da  densidade urbana aumentou a sua vulnerabilidade à probabilidade de cheias, instabilidade das arribas e aumento do nível médio do mar. E há escala de tempo geológico como foram essas mudanças?  

 

Entender a Geologia da região, olhar as rochas para compreender o passado e conhecer a biodiversidade ao longo do litoral Avencas-Bafureira, no âmbito dos povoamentos da fauna e flora da zona intertidal, foram os objetivos da ação de formação de professores promovida pela LPN no passado dia 26 de novembro.

 

Com a dinamização efetuada por Catarina Martins do LNEG – laboratório Nacional de Energia e Geologia e de Rita Alves da LPN, os participantes  efetuaram um pequeno percurso pela praia da Bafureira observando e interpretando as formações rochosas, enquanto testemunho preservado do registo geológico ocorrido há cerca de 100-120 Ma, que nos permite reconstituir a sua história evolutiva, e também observando os organismos vivos na zona de entremarés, constituindo ecossistemas dependentes do substrato rochoso e das suas formas erosivas.

 

 

Catarina Moniz enquadrando os aspetos geológicos da plataforma rochosa e das arribas da praia da Bafureira.

 

 

Inicialmente, Rita Alves mencionou que a faixa litoral entre as praias de S.Pedro do Estoril e da Parede, dada a sua importância sob o ponto de vista ecológico, pedagógico e científico, atualmente constitui uma Área Protegida Local. Devido à necessidade de se garantir a preservação do ecossistema tão rico em biodiversidade, mas que ao longo do ano tem como utilizadores pescadores desportivos, alunos de todos os níveis de ensino, investigadores e veraneantes, a Câmara Municipal de Cascais propôs a criação da primeira Área Marinha Protegida em Portugal, expandindo os limites iniciais da Zona de Interesse Biofísico das Avencas.

 

A fauna e flora das poças de maré logo despertaram a curiosidade e interesse dos participantes, após a explicação sobre a zonação das comunidades intertidais, com cuidado, para não perturbar os seres vivos, fomos à descoberta de  alguns animais como as anémonas, os caranguejos, as estrelas e ouriços-do-mar, as lapas, burriés, mexilhões e percebes, camarões e cabozes e diversas algas descrevendo-se algumas caraterísticas e adaptações à vida na zona de entre-marés.

 

De destacar a observação de um caranguejo-peludo que estava bem escondido, alojado numa rocha para proteger-se e prender as suas presas. Esta espécie alimenta-se de invertebrados, entre os quais moluscos, poliquetas e bivalves e a sua época de reprodução tem inicio em Maio ou Junho. É muito agressivo e territorialista. Segundo o Museu Virtual da Biodiversidade da Universidade de Évora, este crustáceo tem sido um dos mais afetados pela presença do caranguejo-azul (Callinectes sapidus), espécie invasora originária do Atlântico Oeste (desde a América do Norte até à Argentina) em seu habitat que foi detetado pela primeira vez em Portugal em 1978, no estuário do Tejo,* confirmando as ameaças à biodiversidade marinha resultante da introdução das espécies exóticas invasoras.

 

 

Caranguejo-peludo (Eriphia verrucosa) – alojado na rocha para se proteger e prender suas presas.

 

 

Estrela do mar (Classe Asteroidea).

 

 

Sendo um habitat de grande importância e do qual dependem inúmeras espécies, utilizado como zona de abrigo, refúgio e de alimentação, mencionou-se que o pisoteio e o manuseio intenso dos seres vivos constitui uma das principais ameaças, pelo que se recomenda que, por exemplo, as Escolas não tragam um número elevado de alunos por visita de estudo. A esse respeito, devido à zona em questão estar inserida na Área Protegida Local, Rita Alves, salientou que para se realizar visitas de estudo nessa área, as Escolas terão de solicitar antecipadamente à Capitania de Cascais a devida autorização.

 

Após a observação da grande variação das adaptações morfológicas e comportamentais singulares dos organismos, deu-se início à emersão pelo conhecimento Geológico, no qual de forma brilhante, Catarina Moniz envolveu os participantes na Geologia do Concelho de Cascais permitindo constatar-se a influência da geodiversidade como condicionante da colonização dos seres vivos, de alguns aspetos curiosos geológicos, como sejam a presença de variados fósseis e estruturas geológicas, indicadores de diferentes paleoambientes de deposição. 

 

Na praia observavam-se os efeitos dos processos de modelação de natureza mecânica (abrasão, arranque de blocos, etc.), química e biológica. É devido à irregularidade nas lages calcárias conferida pelas atividades dos seres vivos (bioturbações) que permite boas condições para a vida marinha se desenvolver.

 

 

Catarina Moniz enquadrando os aspetos geológicos da plataforma rochosa e das arribas da praia da Bafureira.

 

 

O percurso orientado por Catarina Moniz, pela praia da Bafureira, pequeno no trajeto de percurso pedestre, mas longo no conhecimento das diversas etapas do tempo Geológico, permitia reconhecer grandes eventos como regressões ou transgressões do nível médio das águas do mar, episódios que conduziram à deformação das rochas, particularidades geométricas (estruturas sedimentares) como figuras de carga, estratificações entrecruzadas e modificações na espessura lateral das camadas, e o conteúdo fossilífero, como conchas, moldes e pistas.

 

Através dos indícios que as rochas nos forneciam podíamos fazer a interpretação paleogeográfica/paleoambiental dos ambientes de deposição durante a era mesozoica, mais concretamente no período cretácico.

 

 

 

 

Catarina Moniz despertou-nos ainda mais a curiosidade pela descoberta de em vários afloramentos, na praia da Bafureira, de zonas com fósseis, troncos fossilizados, com carvão e pirite, que ajudam a compreender a evolução paleogeográfica das formações que afloram no concelho de Cascais.

 

 

Fotografia da esquerda: Tronco fossilizado. Fotografia da direita: Carvão - lignito - material vegetal incarbonizado, testemunhando uma deposição em ambiente redutor (pouco oxigenado) – Praia da Bafureira.

 

 

 

Numa bancada mesmo por debaixo do restaurante da Bafureira, num nível de calcários margosos observávamos uma abundância significativa de fósseis de ostraídeos,  excelentes exemplos de vestígios de lumachela (rocha composta quase exclusivamente de conchas de conchas fósseis), indicando que na altura da sua deposição o ambiente era perto do litoral, numa zona de transição.

 

Ao longo do trajeto por cima das lajes calcárias, Catarina Moniz ia colocando algumas questões aos participantes - “Sabem que estruturas se visualizam atravessando as camadas sedimentares ao longo da arriba?” Tratam-se de filões basálticos subverticais relacionados com o Maciço Eruptivo de Sintra.

 

 

Cristais de piroxena no filão basáltico.

 

 

Arenito observando-se laminação interna entrecruzada, reflectindo a acção de correntes de água canalizadas com distintas orientações.

 

 

Caminhando mais para oeste, Catarina Moniz alertou os participantes para as diferentes litologias e níveis das camadas sedimentares e para a existência de uma falha que punha em contacto rochas de idade diferente e alertava-nos para não estarmos muito próximos da arriba devido ao seu grau de perigosidade. O jogo de cores evidenciado pela oxidação dos arenitos era apelativo a umas fotos, mas neste caso recomendável o uso de objetivas com boa ampliação.

 

 

Zona de falha principal pondo em contacto rochas de idade diferente a SE e a NW.

 

Zona de falha com filão onde se observam margas argilosas dolomitizadas cinzentas alternando com bancadas de arenitos com impregnações ferruginosas. O grau de fraturação associado a intercalações margosas e argilosas potencia a queda de blocos. Zona onde se visualiza uma depressão resultante da erosão diferencial das rochas nas camadas inferiores podendo conduzir ao abatimento.

 

 

 

Após a excelente orientação desta saída de campo constatou-se que o local visitado -  a zona de entre-marés, constitui um espaço pedagógico de excelência, não só pela sua riqueza geológica e de biodiversidade que contribui para o desenvolvimento de competências cruciais, designadamente, a literacia científica, o espírito crítico, a autonomia, a imaginação e a criatividade como também  de sensibilizar a população na promoção de uma cidadania ativa, por forma a se construir uma visão crítica, que implique uma governação sustentada no bem público.

 

O grau de fracturação a que as rochas foram sujeitas, associado às intercalações margosas que apresentam favorece, em alguns locais, a circulação de água. Este conjunto de características, pelo facto das camadas de nível inferior serem mais brandas e logo mais suscetíveis à erosão, potencia, caso a fracturação seja concordante, o abatimento e queda de blocos.

 

 

 

Subscreva a
nossa Newsletter

Se deseja receber informação atualizada sobre a LPN, por favor insira o seu email:

© 2018 Liga para a Protecção da Natureza.

Powered by bluesoft.pt