Roteiro de geodiversidade e biodiversidade na Arrábida (Al-Rábita)

“ … Reina um silêncio profundo e uma luz amortecida. Na camada de húmus, abrigados pela sombra da folhagem medram alguns fetos. Tudo isto evoca a ideia da floresta primária, sob clima mais rico de calor e humidade em outras zonas ou em épocas mais remotas da história do Globo…” Orlando Ribeiro

 

 

 

A Convite da professora Cátia Machado, a LPN, através do professor destacado apoiou uma visita de estudo/saída de campo, na Arrábida (Al-rábita) com alunos e professores da Escola Secundária Gago Coutinho (Alverca).

 

A saída iniciou-se na Plataforma do Cabo Espichel, junto ao Santuário do Cabo Espichel inserido no Parque Natural da Arrábida. Mediante a entrega dos guiões aos alunos pela professora Cátia Monteiro, o professor Jorge Fernandes-destacado na LPN fez o enquadramento da região do Cabo Espichel e da Cordilheira da Arrábida.

 

 

Preparação da saída de campo e enquadramento da região do Cabo Espichel e da Cordilheira da Arrábida.

 

 

 

A este local está associado a lenda da Pedra da Mua, diz-se que um idoso de Alcabideche sonhou (ou viu) de noite uma luz a brilhar no Cabo Espichel. Igual sonho teve uma velha da Caparica. Ambos se puseram a caminho, procurando descobrir o “mistério” daquela luz que continuava a brilhar todas as noites. Os dois se encontraram no caminho e ao chegar ao Cabo ficaram maravilhados por verem a Virgem Maria montada numa mula que subiu a escarpada arriba deixando nas pedras as marcas das suas patas. Encontra-se referência a esta lenda num texto de R. Guimarães, datado de 1872 (in Cunha Serrão, 1981, citado por Caetano, P 1985). Esta será, muito provavelmente, a primeira referência escrita, embora indevida, à existência de pegadas e trilhos de dinossauro.

 

Mais tarde construiu-se a ermida da Memória, e sob a ermida, na Baía dos Lagosteiros – encontra-se o Monumento Natural das Pegadas de dinossauros da Pedra da Mua (Decreto nº20/97 de 7 de maio), e interpretadas como pegadas de um burro, num claro exemplo de cruzamento entre a Geologia, o simbolismo e o sagrado que o Cabo Espichel evidencia.

 

Após a explicação inicial junto à capela da Memória ou da Pedra Da Mua, nos calcários do Jurássico terminal,  com vista para a falésia norte dirigimo-nos através de um percurso pedestre em direção das pegadas, impressas na superfície da bancada do topo da arriba a Norte da Baía. Atribuída à Formação das Ladeiras, datada do cretácico Inferior e que constitui um dos conjuntos, segundo M.T. Antunes, um dos conjuntos mais notáveis do Cretácico da Europa e o único desta idade em Portugal.

 

 

 

 

Sentíamo-nos viajar pelos degraus do tempo, passando o contacto entre o Jurássico superior e o Cretácico inferior, rumo ao outro monumento natural de icnofósseis do Parque Natural da Arrábida - o Monumento Natural dos Lagosteiros. No caminho de terra batida, num percurso fácil de 2 km pelas arribas, constituídas por camadas inclinadas em cerca de 45º na baía dos Lagosteiros, essencialmente constituídas por calcários, margas e arenitos, íamos observando afloramentos com inúmeros vestígios de atividade de invertebrados (bioturbação) e excelentes exemplares de fósseis de gastrópodes.

 

Pelo caminho ia-se observando a vegetação e explicava-se as adaptações da vegetação ao factor ecológico dominante na zona que é o vento por se tratar de um cabo. Devido às condições edafoclimáticas, com solos mediterrânicos vermelhos ou amarelos, os bosques de Azinheira (Quercus rotundifólia) não penetram na zona ocidental da Arrábida pelo que observávamos matos constituídos, por exemplo, pelo tojo-gatunho (Ulex densus), tomilho (Thymus sylvestris), que dominam, mas também o carrasco (Quercus coccifera), Juniperus turbinata, aroeira (Pistacia lentiscus), aderno (Phillirea angustifolia), Rubia peregina, salsaparrilha (Smilax áspera), madressilva (Lonicera implexa), trovisco (Daphne gnidium), entre outras.

 

A paisagem era magnífica esmaltada sempre com o tom azul do oceano, num cheiro de maresia misturado com o das plantas aromáticas. Junto ao miradouro situado a norte da baía dos Lagosteiros tentámos visualizar as pegadas de dinossauros da pedra da Mua, a Sul, facilmente confundidas com as pequenas depressões cobertas por vegetação.

 

Infelizmente, a exemplo do que tem acontecido em outras zonas do Parque Natural da Arrábida e do país presenciámos, mais uma vez o painel informativo danificado do Monumento Natural dos Lagosteiros resultante de comportamentos incompreensíveis e inqualificáveis.

 

 

 

 

Ao chegarmos salientava-se a excelente conservação das suas impressões e a sua importância, por testemunhar o comportamento gregário dos dinossauros, como a observação “in loco” do geomonumento das jazidas da baía dos Lagosteiros, em cuja superfície se observam pegadas que testemunham a passagem de dinossáurios de há 130-133 milhões de anos.

 

Face às impressões estarem localizadas em lajes com alguma inclinação, os alunos foram divididos em diferentes grupos e deslocaram-se alternadamente, para uma observação mais “in loco” dos trilhos, tendo sido de imediato alertados pelos professores para terem cuidado a deslocarem-se por essas lajes.

 

 

Vista da Jazida de pegadas de Dinossauros de Lagosteiros.

 

 

Impressão de cauda espessa ou (tronco) e pés do Iguanodon.

 

 

Explicação da jazida de pegadas de dinossauros de Lagosteiros.

 

 

Após o percurso pedestre pelo litoral do Cabo Espichel e regressados ao autocarro, era tempo para uma pausa para almoço não havendo melhor local do que a deslocação ao Castelo de Sesimbra, sobranceiro ao vale de Sesimbra, exposto cartograficamente pela estrutura diapírica.

 

E como já tínhamos recomposto as energias, lá fomos em direção à paragem da Pedreira do Jaspe na serra mágica da Arrábida onde a paisagem é fonte de poesia. Junto à Mata do Solitário, uma área de proteção total que testemunha as matas mediterrânicas de há muitos milhares de anos, antes das Glaciações, avistávamos a serra do Risco - a falésia calcária mais alta da Europa, descrita por Sebastião da Gama como o “fóssil de uma onda”.

 

 

Vista da Pedreira do Alto do Jaspe para a serra do Risco.

 

 

Pequena caminhada no Alto do Jaspe.

 

 

 

Ali testemunha-se os ambientes de deposição resultantes da abertura do Atlãntico expostos na pedreira e permite-se saber rigorosamente do campo de tensões associado á formação da serra da Arrábida (compressão Alpina) sendo assim um local de elevado interesse científico e didático. Na pedreira do Jaspe o professor Jorge Fernandes, explicou a origem e a importância da Brecha da Arrábida, “uma das mais características rochas sedimentares do país” de grande valor ornamental e económico.

 

A visita prosseguiu depois, serra acima avistando-se, a península de Tróia, a pedra da Anicha frente à praia de águas calmas do Portinho da Arrábida até chegarmos ao cruzamento para a praia do Creiro.

 

Após uma pequena caminhada até às ruínas romanas do Creiro, e como o tempo já era pouco, de frente para Pedra da Anicha, salientou-se o contexto Arqueológico e Geológico.

 

 

 

Estação arqueológica do Creiro.

 

 

A realização da visita de estudo proporcionou momentos em que os alunos fizeram um corte na sua rotina na escola, saíram do seu contexto indoor através da observação direta da paisagem, percebendo como a Geologia condiciona a paisagem, numa região de beleza incomparável que reúne um notável património natural e cultural que importa conservar como parte da nossa identidade espiritual e nacional.

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