As luzes do conhecimento da identidade do nosso território e dos seus testemunhos ressurgem no Museu Geológico de Lisboa. Uma saída às suas instalações são o desvendar da vida antes de nós e do planeta antes de nós. E se para alguns dos cidadãos a Geologia ainda constitui a face oculta das Ciências, ela é decifrada nas instalações do Museu Geológico de Lisboa integrando-a com o conhecimento da Arqueologia, da ligação entre a Geologia e a ocupação humana no nosso território. Foi esse o objetivo desta ação da LPN em colaboração com o Museu Geológico de Lisboa/LNEG e que pensamos ter sido amplamente conseguido - o de um património natural e cultural que urge divulgar e sensibilizar para a sua salvaguarda.
Numa manhã de sábado, o Engº Jorge Sequeira, do Museu Geológico de Lisboa – Laboratório Nacional de Energia e Geologia acolhe-nos nas instalações do Museu Geológico de Lisboa, na rua da Academia das Ciências nº19. Este investigador que tem dedicado o seu trabalho no Museu, para além de reunir um conhecimento alargado no domínio científico apresenta-nos uma argumentação vinculativa arrebatada pelas relíquias que o espólio do Museu reúne.
Quando contemplamos o espaço do museu somos remetidos para a arquitetura aristocrática e atmosfera do século XIX e para a história da Ciência, que alberga um vasto conjunto de fósseis, minerais, rochas e objetos arqueológicos, alguns de elevado valor científico reconhecidos internacionalmente. Instalado no local onde funcionou desde 1859 a Comissão Geológica do Reino, criada em 1857 sob a tutela do Ministério das Obras Públicas então chefiado por Fontes Pereira de Melo, as suas coleções são constituídas principalmente por exemplares recolhidos no âmbito dos trabalhos das Comissões Geológicas e organismos que lhe sucederam (Serviços Geológicos de Portugal, Instituto Geológico e Mineiro e LNEG, IP.), destacando-se entre outras, as contribuições de Carlos Ribeiro, Nery Delgado, Paul Chofatt, Berkeley Cotter e Georges Zbyszewski.
Logo à entrada somos surpreendidos com a atmosfera melodiosa e agradável da música de Felix Mendelsshon e confrontados com o crânio fossilizado de um antigo crocodilo gigante Gavialosuchus americanus que viveu há 12 milhões de anos, no período Miocénico, em Chelas, na Quinta das Farinheiras, quando aquela zona era tropical.
Gavialosuchus americanus - Crocodilo de Chelas – Período Miocénico
Com o olhar treinado do nosso guia somos transportados para uma dimensão temporal diferente, onde o tempo geológico se expressa numa escala dos milhões de anos como por exemplo da rocha vinda da Gronelândia que terá a módica idade dos 3800 milhões de anos. No Museu para maior facilidade de consulta e tornar-se mais perceptível para o grande público é colocada uma tabela em que se equipara a idade da Terra aos 12 meses do ano. Assim se os primeiros vestígios de vida surgem em março, as primeiras plantas e animais começam a surgir nos finais de novembro e só no dia 31 de dezembro, pelas 14h e 24 minutos surgem os primeiros hominídeos.
Inicialmente os participantes são encaminhados para o conhecimento da Geologia de Lisboa, na “Sala de Lisboa”, com peças colhidas na área da grande cidade e onde nas rochas se encontraram os inúmeros fósseis de seres vivos já extintos. Esses fósseis testemunham mares quentes tropicais com corais, tartarugas e tubarões ou que em outras alturas abundavam crocodilos, elefantes ou hipopótamos. À luz da História da Terra houve alterações climáticas com formas de vida diferentes das atuais e isso é evidenciado no Museu mas atualmente as alterações e a extinção das espécies são vertiginosamente céleres devido à influência das atividades humanas.
Nas vitrines e nos armários bem guardados está um trabalho moroso de inventariação e classificação com inúmeros tesouros. Por exemplo o Engº Jorge Sequeira evidenciou-os para o espólio proveniente da Mina da Guimarota (Leiria) com a presença de fósseis quase microscópicos das cobras mais antigas do mundo ou para o fóssil com pouco mais de dez centímetros, do mais antigo mamífero placentado conhecido — o Hekelotherium guimoratae, datado da época jurássica.
Estima-se que o museu tenha, ao todo, cerca de 500 mil exemplares, que estão armazenados em móveis altos de madeira, em gavetas escondidas por debaixo das vitrinas e num sótão, que existe por cima do segundo andar do edifício.
Caminhando no espaço no corredor encontramos icnofósseis - pegadas de dinossauros, ossos e dentes fósseis de Iguanodon, do dinossauro carnívoro Baryonyx, ou os enormes ossos fósseis de com mais de 1,7 m de comprimento todos eles encontrados em Portugal para além de várias amonites e trilobites. Trata-se da maior e mais importante coleção de Paleontologia do país.
Omosaurus lennieri – Murteiras (Foz do Arelho) – 180 milhões de anos.
Mais à frente deparamo-nos com a sala de mineralogia onde se encontram exuberantes e valiosos minerais provenientes na sua maioria da mina da Panasqueira, na Covilhã. Para além de se ter salientado a importância económica das minas foi comentado o risco associado à exploração e desativação da atividade mineira que contribui para a degradação ambiental, quer do local onde se encontram instaladas quer, por vezes, da região envolvente. Assim torna-se imperativo e exigível que as autoridades competentes tenham um maior acompanhamento, e proteção como também a necessidade de se ter uma participação crítica e envolvimento por parte das populações.
Mas não só de Geologia o Museu aborda, aqui nasceu também a Arqueologia de Portugal. Na Sala de Arqueologia, é possível verem-se diferentes objetos e ferramentas que eram usadas pelo homem primitivo. Destaque para os esqueletos fossilizados dos concheiros de Muge, um complexo situado a 70 km de Lisboa, num vale que foi inundado pelas águas do mar durante a transgressão Flandriana, ficando sob a influência das marés do Tejo e como consequência de ambiente estuarino. Nesse limite interior do estuário do Tejo foram encontrados mais de 300 esqueletos humanos e de muitos animais fossilizados numa ocupação durante um período de 1000 anos entre 5000 e 6000 a.C, constituindo um dos mais importantes complexos mesolíticos mundiais.
Concheiros de Muge
No fim da saída os participantes visualizaram um pequeno filme sobre o cão de Muge considerado como uma das Maravilhas do Museu Geológico de Lisboa. Tratou-se de uma descoberta a nível mundial do cão mais antigo do território português com 8000 anos em que testes de DNA tentam dar pistas da domesticação do cão na Península Ibérica.
Cão de Muge
Pelo facto da Geologia em Portugal ter sido normalmente atribuída como uma ciência de menor importância, evidenciada até pela expressão de se designarem as rochas com o termo “calhau”, julgamos importante o desenvolvimento e incremento de divulgação desta ciência integrada com as outras ciências e com os aspetos culturais, pois sabemos que essa visão de uma ciência empedernada era redutora ocultando o facto da Geologia ser o suporte da vida e de estar presente em todos os momentos das nossas vidas.
No fim, agradecidos pela excelente orientação do Engº Jorge Sequeira saímos desta visita mais enriquecidos e conscientes do desafio que se coloca aos educadores de se proporcionar outros espaços de aprendizagem no qual se integram de diferentes ramos de conhecimento face a um tema comum. Para isso as Ciências Naturais não se podem limitar às salas de aula. As rochas contam-nos uma história e são um livro aberto de descoberta. O desafio fica para os professores visitarem com os seus alunos este espaço construindo guiões de visita para estas saídas e para os visitantes no geral se capacitarem para o conhecimento ligado ao planeta e ao território.
Estes espaços tornam uma aprendizagem mais significativa e proporcionam aos educadores práticas pedagógicas, incentivando o debate, a reflexão sobre as questões ambientais e a construção de uma consciência crítica.
Compreender a ligação ao nosso território, tendo em conta os seus valores naturais e culturais que nos interligam contribui para o reforço da nossa identidade, para a salvaguarda do património natural e isso foi bem demonstrado nesta visita ao Museu Geológico de Lisboa.
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